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Bernard Cathelat – esse cara é importante para entender o caso do general Benjamin Arrola

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A redemocratização começou em 1982, embora o último general só tenha ido para casa três anos depois – e a gente precise lembrar o tempo todo que ainda não apareceu um gênio capaz de inventar regime melhor do que a democracia.

As eleições diretas estavam de volta, depois de duas décadas de governadores apontados pelas Assembleias Legislativas. Mas, como fazê-las? Era preciso entender os novos segredos das campanhas políticas. A televisão ainda imperava, mas outros meios de comunicação como o rádio, a mídia impressa, outdoors, mala direta ofereciam caminhos para chegar ao eleitor.

No começo do ano, o MDB paulista, que lançava a candidatura de Franco Montoro ao governo do Estado, organizou um seminário de marketing político e convidou especialistas alemães, franceses e americanos.

Marqueteiros de toda parte correram para São Paulo apenas para verificar que as novidades eram antigas: pesquisa quantitativa, organização de campanha, confirmação do discurso através de pesquisas qualitativas – e só.

Até que os franceses começaram a falar. Eram discípulos de Bernard Cathelat, sociólogo que se especializou desde 1972 no estudo do estilo de vida do eleitor.
Quando a ideia começou a ser apresentada todo mundo viu que aquilo era um ovo de Colombo. O eleitor, dizia Cathelat, não vota só por ser pobre ou rico, por ser preto ou branco, por ser católico ou espírita. Vota em quem parece com ele.

É preciso uma análise mais sofisticada para antecipar a decisão de voto. Saber se ele lê, o que lê, se torce para o Corinthians, se frequenta concertos, shows de rock ou pagode, se usa terno e gravata, se participa de debates sobre arte contemporânea, se constrói casas, se sonha com um Mustang ou com um MG, se conversa com os vizinhos, se frequenta clube de tiro, se ouve pastores na rádio, coleciona música sertaneja ou proíbe a filha de usar biquíni (o assunto estava em moda).

Cathelet propunha usar os recursos do censo demográfico e de outras bases de dados, com auxílio da tecnologia digital, para aplicar um método inovador de entender o estilo de vida do eleitor e da sociedade.
Seu livrinho de 150 páginas “Les Stiles de Vie des Français” descrevia métodos de reunir grupos de eleitores que apresentavam o mesmo tipo de atitude, comportamento e motivação. Oferecia um mapa multidimensional para analisar como esses grupos reagiriam ao discurso de cada candidato, assim como comprariam ou deixariam de comprar determinado shampu, automóvel, disco ou alimento.

Na época, a dificuldade era aplicar os longos questionários. Pesquisadores deveriam bater de casa em casa e realizar entrevistas com meia hora de duração. O questionário mais extenso exigia mais treinamento do entrevistador e portanto um custo maior da pesquisa. A adesão ao marketing político de Cathelet foi lenta, mas quem foi, nos anos seguintes, até a Universidade de Paris-Sorbonne conversar com ele não se arrependeu.

No CCA, Instituto para Sócio-Estilos de Vida onde ele era co-fundador, estavam as informações para detecção e monitoramento de tendências no corpo social e tipologia de modos de vida e pensamento que foram usadas trinta anos depois pela Cambridge Analytica para a eleição de Donald Trump em 2016 e de Jair Bolsonaro dois anos mais tarde.
O grande obstáculo para usar o microtargeting era custo, agora não é mais. O Facebook e outras redes sociais entregam informações baratas sobre os usuários. Cada vez que alguém dá um like num cantor, pastor, jogador ou influencer revela mais um pedaço de seu perfil aos pesquisadores.
Combinando likes de algumas atrações, como Lady Gaga ou House of Cards no Facebook, analistas catalogam usuários em seis grandes categorias –
1) introvertidos,
2) extrovertidos,
3) amáveis,
4) dotados de visão crítica,
5) facilmente impressionáveis ou
6) abertos a novas experiências.

Isso permite disparar de mensagens em massa na direção certa. A dolorosa experiência recente permite dizer que um microtargeting bem feito permite vender cloroquina e aplicações anais de ozônio para tratamento de Covid. No Irã, conta Patrícia Campos Melo em “Máquina do Ódio”, 44 pessoas morreram depois de tomar álcool adulterado para matar o vírus. Fakenews instigaram algumas pessoas a acreditar que um misterioso algorítimo dirigia os votos dos eleitores para candidatos patrocinados por Satanás.

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Fontes: “Les Stiles de Vie des Français”, Bernard Cathelet
“Socio-Styles, o novo sistema de classificação de estilos de vida para identificar e direcionar consumidores e mercados”, Bernard Cathelat, edições Kogan Page, Londres, 1993
“The Hype Machine”, Sinan Aral, Currency Trade Paperback Edition, Random House, 2021
“A Máquina do Ódio”, Patrícia Campos Mello, Companhia das Letras, 2020

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P.S. – Bernard Cathelet também atuou como sociólogo do Observatório Netexplo, um instituto de monitoramento e análise global de inovações digitais e suas aplicações, para a análise de seu impacto sociológico. Dê um google em Netexplo, que vale a pena.

P.S.2 – Dê um Google em General Benjamin Arrola

Posted on 9th novembro 2022 in Sem categoria  •  No comments yet
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Questões de cor


-Não sou supremacista, mas às vezes me orgulho da minha raça, da cor, da genealogia…

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Esses dias percebi a loucura desse mundo pelo preconceito que minha cachorra sofreu.

Bree é uma SRD (caramelinha do Brasil) de quatro anos.

Sempre que vë um poodle branco, de uma certa senhora da vizinhança, late braba.

Esses dias a tal senhora me viu e me interpelou:

-Por que sua cachorra insiste em latir para o meu lindo e doce Fofinho?

Falei que ela era assim, as vezes latia para um ou outro.

A senhora, inconformada com terrível fato, latidos para seu peludo, prosseguiu:

-Ela deve ter inveja por ele ser raça pura e muito branco!

(Por Adriana Fortes de Sá Pianovski)

Posted on 12th outubro 2022 in Sem categoria  •  No comments yet
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Gasolina vai subir de novo

(Reuters) O corte de 2 milhões de barris por dia (bpd) da Opep+ pode estimular uma recuperação nos preços do petróleo, que caíram para cerca de 90 dólares ante 120 dólares há três meses, devido a temores de uma recessão econômica global, aumento das taxas de juros dos EUA e um dólar mais forte.

A gasolina barata era uma das armas eleitorais de Bonsonaro para este segundo turno das eleições presidenciais.

O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores de São Paulo, a B3, fechou em alta nesta quarta-feira (5), puxada pelos ganhos das ações da Petrobras, depois que a Opep definiu um corte acentuado na produção para recuperar os preços do petróleo.

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Posted on 5th outubro 2022 in Sem categoria  •  No comments yet
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O treinero e o precariado

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A esquerda, a centro-esquerda e os democratas em geral perdem uma oportunidade de virar o jogo ao convocar o povo à luta convencional contra o fantasma de Bolsonaro – alguém que, para realçar a própria insubstancialidade, se intitula mito.

Contra ele, a disputa deve ser heterodoxa.

Incapaz do discurso racional, o mito recorre a cacos da oratória alt-right misturados com aquilo que os americanos chamam de bullshit. Ele fala muita merda – a aqui é necessário parar um pouco para entender o que é isso. Falar merda significa enrolar, iludir, dizer coisas sem sentido, fazer preleção de treinero de clube da série C. Ameaçado de cair. Na síntese de Harry G. Frankfurt, falar merda indica a intenção de enganar. É parte de um continuum, informações sequenciais e ininterruptas onde a mentira e a embromação se apresentam, às vezes, de forma pretensiosa, arrogante, “com a autoridade de um governo que durante a pandemia não poupou esforços para salvar vidas” (alguém acredita que Bolsonaro não poupou esforços para salvar vidas?). Outras vezes como choque de irrealidade: “No meu governo extirpamos a corrupção sistêmica que existia no país” (alguém confirma que a corrupção foi extirpada?).

Falar merda é basicamente descrever falsamente uma ideia, opinião ou situação. Por exemplo, ele pode enunciar um sentimento ou desejo que não sente nem deseja realmente. Mas convém lembrar que, ao dizer uma mentira ou distorcer um fato, ele distorce algo mais. Ele distorce o que está falando – isto é, o estado de coisas a que se refere no discurso – e fazendo isso ele não pode evitar distorcer seu próprio pensamento. Assim, ao prometer o pagamento de um 13º salário do Auxílio Brasil para as mulheres chefes de família a partir de 2023 ele ao mesmo tempo relata o dinheiro que tem no Orçamento e revela a convicção de que acredita que de fato tem aquele dinheiro. Se a mentira funcionar, a vítima é enganada duplamente, tendo uma falsa informação sobre o que há no Orçamento do mentiroso e o que existe na cabeça dele.

O cara corre perigo de perder a eleição porque fala merda sobre questões vitais. Há pouco, ele garantiu: “O desemprego caiu 5%”. Ao dizer isso, ele 1) – Informa que o desemprego diminuiu; 2) – Da a entender que acredita nessa besteira; 3) – Omite, ignora, invisibiliza a tragédia do precariado. O termo é um neologismo para essa nova forma de proletariado informal, terceirizado, transformado em Pessoa Jurídica, explorado pela precarização, desregulamentação das relações de trabalho, perda dos direitos sociais do proletariado industrial. Segundo o IBGE, o precariado atingiu recorde de 39,3 milhões de pessoas no segundo trimestre de 2022. Está na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Todo mundo conhece algum entregador do iFood, motorista de Uber, empregado no setor privado sem carteira assinada, empregado doméstico sem carteira, trabalhador por conta própria sem CNPJ. Sua existência parece provar que há um plano para reimplantar o sistema de castas. Ele é um brasileiro que não tem salário fixo, férias e folgas remuneradas, nem 13º salário, nem direito à aposentadoria. É honesto dizer que ele está “empregado”? Ou é falar merda?

Pois é. Há 39 milhões de pessoas esperando que alguém comece a brigar pela volta dos direitos sociais dos trabalhadores.

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P.S. – O Millor escreveu que os dirigentes, quando mais ignorantes e vulgares, mais duram no poder.

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Quero votar como um pirata

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dfdfdfdf Cada urna custa 985 dólares. Nós pagamos.

 

 

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Volto ao Walter Lippmann (1889 – 1974), o primeiro analista político estadunidense a criticar a mídia e escrever que a democracia representativa não funciona. Descobriu que o cidadão comum é incapaz de tomar decisões políticas simples, como votar para presidente, eleger um bom deputado é até escolher o melhor candidato a xerife do condado. A escola precária e a midia comprometida são culpados pela falta de educação social, isto é, educação para entender a sociedade moderna.

Os gregos antigos não escolhiam representantes. Elegiam diretamente, na ágora, seus senadores. Hoje o mundo não cabe na praça e tudo complicou. O cidadão precisa de uma quantidade enciclopédica de informação para não falar besteira numa simples conversa de bar. E não basta ensinar ao jovem estudante as questões de hoje; é preciso que ele continue estudando porque amanhã as questões serão outras.

Lippmann conta a fábula do professor que, ao entardecer, meditava sobre toda essa problemática caminhando por um parque. Bateu numa árvore. Sendo um homem bem educado, prontamente tirou o chapéu (na época, os professores ganhavam o suficiente para comprar chapéus), inclinou-se diante da árvore e disse: “Desculpe-me, senhor, eu pensei que o senhor fosse uma árvore”.

Imagino o que aconteceria se o professor batesse não em uma árvore mas no último modelo da máquina de votar do Tribunal Superior Eleitoral. E lesse na tela o convite para escolher o próximo presidente da República entre Lula, Bolsonaro, Ciro, Tebet e outros. E visse ainda telas com os nomes de centenas de candidatos a representá-lo no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa  estadual. Procura no bolso, não acha a colinha. Olha no chão, não há material de propaganda jogado fora, como nas eleições de antigamente. Tira o chapéu, inclina-se diante da urna eletrônica e diz: “Desculpe, Dona Urna, eu pensei que a senhora fosse do tempo em que o voto era impresso e entregue pelo cabo eleitoral”.

E não vota.

Vou votar dia 2 de outubro, mas desconfio que vai ser um esforço inútil. Nosso presidencialismo de coalizão produziu a figura do presidente de opereta, consagrou o foro especial por prerrogativa de função e transformou a Câmara e o Senado, que deviam ser templos do civismo, em covil de marginais. Quem não é malfeitor se sente meio deslocado lá dentro. Eis a verdade: nossa democracia representativa despreza a demografia. Como um país onde a maioria dos habitantes são negros e pobres tem um congresso branco e rico? Onde estão as mulheres deputadas, que deviam ser maioria no Congresso e não passam de 15% – algumas não conseguem nem fazer cara feia para as perversidades por causa do botox e dos fios tensores. Não sou contra o botox, mas exijo cara feia diante de um congresso sicofantista juramentado, que nem o Dias Gomes imaginou.

Lippmann não era otimista com o regime porque sabia que Jefferson, Hamilton e os outros Pais da Pátria americana fundaram uma república, não uma democracia. Aqui é pior: os “democratas” amam as multidões e têm medo dos indivíduos que as compõem.

 

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P.S. – Por que a pirataria deu tão certo no mundo? Porque os comandantes dos navios piratas eram eleitos por suas tripulações. Diretamente. Em assembleia no convés principal. E, se decepcionassem, a tripulação podia votar para substituí-los.

 

Posted on 23rd setembro 2022 in Sem categoria  •  No comments yet
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Pequenos escorregões

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Eric Adams: Os prefeitos devem ir sempre ao mesmo restaurante?

 

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Está na primeira página do New York Times: “Eric Adams à noite: Mesa Privada e Amigos da Pesada”.

A notícia é sobre as idas constantes de Adams a um restaurante da Rua 52 West chamado Osteria La Baia, que pertence aos gêmeos Robert and Zhan Petrosyants — cujos negócios o prefeito tem apoiado com entusiasmo. Parece que longa folha corrida dos irmãos vai da lavagem de dinheiro a crimes contra a pessoa.

O repórter abelhudo do NYT diz que não viu o prefeito pagar a conta, que não deve ser muito pequena. No cardápio, a entrada mais barata custa 30 dólares, o dobro do que ele pagaria em outro bom restaurante 100 metros adiante, também especializado em comida italiana.

O código de ética da cidade exige que funcionários públicos rejeitem presentes de valor superior a 50 dólares, por mais que a comida seja boa. Em Curitiba, a prefeitura não tem um código estabelecendo valores, mas todos sabem que não dá para aceitar agradinhos caros.

Mais de uma vez fui almoçar com o prefeito Jaime Lerner no restaurante Pekin, chinês que ficava no início da avenida João Gualberto e tinha uma mesa redonda no andar de cima. Jaime chamava alguns secretários e assessores para continuar a conversa da manhã. Comia trabalhando.

Nunca vi ele pagar a conta – aliás nunca vi político pagar conta, dizem que dá azar. Mas entendi que a Prefeitura acertava com o proprietário mensalmente. E o Jaime, que entendia de comida, nunca elogiou a qualidade da comida chinesa.

Mas falou bem da feijoada do Pasquale, o restaurante que funcionava dentro do Passeio Público. Lá quem pagava eram os amigos.

Também nunca vi Ney Braga pagar restaurante. Era um político que não gostava de comer – gostava de conversa e quando se decepcionava pedia um chá de camomila.

Sinto falta da sabedoria dos políticos antigos. Dizem que foi Ulisses Guimarães o primeiro a dizer: “Preste atenção, meu filho, não existe almoço de graça.” No exterior, Milton Friedman usou a frase como título de um de seus livros. “There is no such thing as a free lunch”

 

 

Posted on 22nd agosto 2022 in Sem categoria  •  No comments yet
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Declaração de voto

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Walter Lippmann

 

Em “O Público Fantasma”, Walter Lippmann declara sua pouca fé na capacidade do cidadão comum na hora de tomar decisões políticas simples, como votar para presidente. Culpa da falta de educação social, isto é, educação sobre problemas urbanos, suburbanos, estaduais, nacionais, internacionais, financeiros, geológicos, industriais, trabalhistas, agrícolas, jurídicos.

É quase enciclopédica a quantidade de informação necessária para participar de uma simples conversa de café sem dizer besteira. E não basta ensinar ao jovem estudante essas questões; é preciso que ele se atualize permanentemente porque o problema do transporte público este ano não é o mesmo do ano passado. Nem o do orçamento público, que agora tem um anexo secreto. Muito menos o da legislação sobre o uso do IPTU para construir calçadas, que estão uma buraqueira.

Lippmann conta a fábula do professor que, ao entardecer, meditava sobre toda essa problemática caminhando por um parque. Bateu numa árvore. Sendo um homem bem educado, prontamente tirou o chapéu (a história é de 1927. Na época, os professores ganhavam para comprar chapéus), inclinou-se diante da árvore e disse: “Desculpe-me, senhor, eu pensei que o senhor fosse uma árvore”.

Imagino o que aconteceria se o professor batesse não em uma árvore mas no último modelo da máquina de votar do Tribunal Superior Eleitoral. Na tela estaria o convite para escolher o próximo presidente da República entre Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes, Simone Tebet e mais sei lá quantos outros candidatos. E em outras telas os nomes de centenas de candidatos e deputado federal e deputado estadual. Procura no bolso, não acha a colinha. Olha no chão, não há material de propaganda jogado fora, como nas eleições de antigamente. O professor tira o chapéu, inclina-se diante da urna eletrônica e diz: “Desculpe, urna eletrônica, eu pensei que a senhora fosse do tempo em que o voto já vinha impresso e era entregue pelo cabo eleitoral”.

E decide não votar.

Porque o presidencialismo gerou o presidente de opereta. Votar é uma inutilidade. Nossa democracia representativa não dá bola para a demografia. Como é que um país em que a maioria dos habitantes são negros e pobres tem um congresso branco e tão rico? Onde estão as mulheres deputadas, que poderiam ser maioria no Congresso se mulher votasse em mulher e não passam de 15%?  Os representantes discursam contra a corrupção que, para eles, é roubar dos cofres públicos. Evitam deblaterar contra o sistema bancário, que rouba em um dia o que a turma do petrolão levou anos para levar. Nem denunciam o sistema que manda para a penitenciária, aos milhares, passadores de fumo – gente preta, pobre e periférica. O dono do negócio goza a vida a beira mar.

Um congresso de opereta, mistura de Cancion de Tchuchuchuca com La Generala.

Lippmann não era otimista com o futuro. Lembrava que Jefferson, Hamilton e os outros Pais Fundadores dos EUA fundaram uma república, não uma democracia. Aqui foi pior: o Marechal Deodoro, com dolorosa crise de gota, foi levado ao Paço para homologar o golpe de estado.

Que tal proclamar uma democracia?

 

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Tarde de maio

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ggghhh Rua Mauá tarde de sol.

 

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Carlos Drummond de Andrade

 

Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de
seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não-perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh’alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza sem fruto.

Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa…
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.

Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.

E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.

Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita sem máscaras?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.

Posted on 29th maio 2022 in Sem categoria  •  No comments yet
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O dia em que não quis fazer uma visita e trocar ideias com Lygia Fagundes Telles

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ghghg Cada capa de Eugênio Hirscht é uma obra prima. Nesta parece que ele caprichou ainda mais.

 

 

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Avalio a repercussão da morte de Lygia Fagundes Telles com certo desapontamento. Esperava muita comoção. Cada brasileiro com curso secundário completo tem obrigação de chorar essa perda. Morreu uma mestra da literatura, a autora traduzida em quinze línguas que todo ano está no Enem, a escritora que combinou o feminino com o político naquele momento de medo nacional e não teve medo – mergulhou com força nas personagens que inspiravam um mundo novo, onde as mulheres são capazes de tudo em todas as áreas. Até de vencer uma ditadura.

O romance “As Meninas”, de 1973, tinha algum tipo de parentesco com “O Grupo”, de Mary McCarthy, publicado dez anos antes, e vinte e quatro meses na lista de mais vendidos do New York Times, pela temática e principalmente pelo frescor, a inteligência, a valentia do texto.  Ignorei que Lygia não enfrentou a ferocidade dos críticos como aconteceu com “O Grupo”. Norman Mailer disse que aquilo não passava de “um romance trivial escrito por uma mocinha”, impregnado de um “perfume comunal, mistura de Ma Griffe com gel contraceptivo”. Aqui no Brasil, longe de Mailer mas perto do DOI-CODI, Lygia foi corajosa bastante para incluir críticas pesadas à ditadura no auge do AI-5. A descrição crua, minuciosa, da sessão de tortura num subterrâneo da repressão vale por cem editoriais.

Descobri novos jeitos de escrever em “As Meninas”, que encontrei já na terceira edição da José Olímpio Editora, com capa de Eugênio Hirsch (nascido em 1923, como Lygia). Em folhas de papel-lauda, copiei trechos para sentir as pausas e a melodia da narrativa. Era um dos editores do suplemento de domingo do Estado do Paraná. Na capa do caderno publiquei uma resenha meio impressionista sobre aquele livro romântico e subversivo, aquele português cheio de invenções e influências (achei) de James Joyce e Jack Kerouak. A página do Estado ficou atraente e mereceu uma carta da autora; em sua caligrafia bonita elogiou minha acuidade literária. Acuidade, heim? “Você levantou questões importantes sobre a literatura atual e o meu trabalho”, escreveu Lygia agradecida e convidando para uma conversa. “Espero poder trocar ideias com você”.

Trocar ideias? Imagine. Eu não tinha uma única e anêmica ideia para oferecer à dona de tanta criatividade. Nem era capaz de qualquer observação inteligente sobre o psiquismo das personagens, o desenvolvimento da trama, muito menos sobre a mensagem, uma coisa que estava na moda e devia ser descoberta e analisada nas entranhas da obra literária.

A carta de Lygia está perdida entre as camadas geológicas dos guardados. Uma primeira mexida nos papeis não teve sucesso. Transcrevê-la agora seria importante primeiro para mostrar aos amigos que não estou escrevendo à toa; estou lamentando a perda da oportunidade de conversar com uma notável escritora, minha correspondente, que talvez viesse a ser uma amiga, colega, confreira, irmã em admirações. Pois concordamos que “As Meninas” é o melhor romance de Lygia Fagundes Telles, não porque seja literariamente superior aos outros, ou o mais traduzido, ou aquele que fez sucesso no cinema, mas porque foi escrito nos anos de chumbo – “um testemunho desse nosso tempo e dessa nossa sociedade”.

Um dia, anos depois, visitava minha amiga Lygia França Pereira, casada com Modesto Carone, crítico literário e tradutor de Kafka. Contei sobre a incursão pela crítica (o texto era na verdade uma resenha) e sobre a carta-convite. Modesto era amigo da escritora e do marido Paulo Emilio Salles Gomes. “Vamos lá”, propôs. Entrei em pânico. Não posso, tenho que voltar correndo para Curitiba – era desculpa para não contar que tinha medo de não estar à altura da conversa, de ser chamado a opinar sobre o fluxo de consciência e o monólogo interior, ficar boboca, cristalizado, provincianamente encolhido num canto da sala da maior escritora do Brasil.

Caridosamente não insistiram no convite. E eu fiquei sem trocar ideias com Lygia, portanto sem descobrir o que ela e Paulo Emílio conversaram enquanto escreviam a quatro mãos o premiado roteiro cinematográfico de “Capitu”, de Machado de Assis. Sem poder perguntar se ela leu Monteiro Lobato para gostar tanto de analisar insetos como a Emília na “Reforma de Natureza”. Ou como decidiu que “O mal está no próprio gênero humano, ninguém presta?”

E dizer que concordo cem por cento com ela quando diz: “Às vezes a gente melhora. Mas passa”.

 

 

Posted on 7th abril 2022 in Sem categoria  •  1 comment
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Um novo Roosevelt?

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Um New Deal da pós-pandemia.

 

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Mark Twain dizia que não se deve prestar muita atenção a discurso de político – a gente corre o risco de acreditar nele. Pois eu prestei atenção ao discurso de posse de Joe Biden. Ele disse que ia trazer a cadeia de suprimentos (supply chain) de volta para os Estados Unidos e essa foi uma declaração revolucionária porque propõe um cavalo-de-pau no neoliberalismo, na globalização e na terceirização que dominou o pensamento americano de Ronald Reagan para cá.

Acredito que Biden disse a verdade.

Para botar sua verdade no mundo – que também é o nosso mundo, na medida em que o Brasil continua dependente dos EUA até para decidir quem pode visitar a Base de Alcantara – o presidente encomendou à assessoria econômica um estudo da realidade americana. Quem tiver paciência, pode lê-lo em whitehouse.gov sob o título Building Resilient Supply Chains, Revitalizing American Manufacturing, e Fostering Broad-Based Growth: 100 Day Reviews Under Executiva Order 14017. Trata-se de um relatório de 250 páginas que já está na mesa dos candidatos e, a não ser que virem a mesa, vai estar no discurso de posse do novo presidente do Brasil.

O documento dispensa retórica porque tem a força dos números. Começa homenageando o mais intervencionista de todos os presidentes americanos. Para ganhar a guerra, o governo Roosevelt requisitou todos os insumos estratégicos, ditou salários e preços, investiu em fábricas de tanques, canhões, uniformes, medicamentos e alimentos para os soldados. A produção de automóveis entre 1942 e 1945 foi zero porque as montadoras fabricavam jeeps e tanques; o governo tornou-se o comprador de dois terços da produção de toda produção das indústrias.

A economia bombou, com volta ao pleno emprego e aumento de 48% no Produto Nacional Bruto. Como não havia besteiras tipo teto de gastos, o déficit orçamentário superou 25%. Não custa repetir: os assessores de Biden descobriram que até o início da guerra o desemprego era maior que dois dígitos; após a chegada de encomendas governamentais de mais de 100 bilhões de dólares – mais do que o produto de toda a economia uma década antes – o desemprego caiu para 3 e a produtividade dobrou. Em 1944 as fábricas produziram 96 mil aviões e os estaleiros de Henry Kaiser, que levavam 365 dias para colocar no mar um navio da classe Liberty, baixaram para 39 dias em 1943 e apenas 14 dias no ano seguinte.

Uma virada na economia que não ficou nisso. O esforço industrial melhorou a vida da população civil e trouxe avanços tecnológicos, como a Internet, que mudaram os EUA e o mundo nos pós-guerra. Um documento clássico da época foi “Ciência, a Fronteira Sem Fim”, de Vannevar Bush, conselheiro científico de Roosevelt, que ensinava: a pesquisa tecnológica é o motor do desenvolvimento.

O documento de Biden cita o passado para indicar um caminho para as atuais dificuldades, que não são poucas; começam com o desafio da China, que atualmente refina 60% de todo o lítio e 80% do cobalto mundial. E prosseguem no front interno, onde alguns cabeças de ovo insistem na crença neoliberal do laisser faire, a ideia de que se o vizinho faz melhor e mais barato deve-se comprar. O livre mercado, o estado mínimo e outros dogmas da ortodoxia conservadora acabaram com a grande indústria manufatureira – aquela que cria empregos, gera encomendas às indústrias e dificilmente sonega impostos porque reinveste o lucro. O Big State ganhou a Guerra Fria.

Para competir nessa nova guerra contra o império chinês Joe Biden apresentou uma proposta de orçamento de quase quatro trilhões de dólares, depois reduzida pelo Congresso. O objetivo desse dinheirão é conseguir soberania industrial em áreas estratégicas. A produção não pode parar, por exemplo, porque os semicondutores que movem tudo que é moderno são feitos na China, Coreia do Sul, Taiwan e até na Tailândia; a poluição não pode aumentar porque a produção de baterias elétricas de alto desempenho está na Asia; as pessoas não podem ser contaminadas pelo Covid 19 porque faltam máscaras – também produzidas do outro lado do mundo porque lá é mais barato.

Não foi necessário muito esforço para descobrir o caminho. Desde 1989, o MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, publica uma série de relatórios intitulados Made in América: Recuperando a Liderança Produtiva, onde sugere estratégias para retomar o espaço entregue aos produtores asiáticos. Em 2005 o jornalista Barry Lynn escreveu End of Line, mostrando os custos ocultos de globalização.  Os que criticaram hoje admitem que aquele era mais que um livro de não-ficção – era uma profecia.

O relatório do Casa Branca significa uma dramática reviravolta nos dogmas econômicos dos últimos 50 anos. Ele diz que não é sonho uma estratégia neo-Rooseveltiana de prosperidade compartilhada, empregos para quase todos e um peru na mesa no Dia de Ação de Graças.

Se vai dar certo ninguém sabe. Os Estados Unidos são aquele lutador de 40 anos que volta ao ringue para tentar reconquistar o cinturão de ouro contra um adversário fortíssimo e muito mais novo.

Tirando os últimos neoliberais (que, em grande número, vivem no Brasil e falam em perigo comunista), todas as pessoas lúcidas concordam que está na hora de o mundo inteiro fazer uma curva em U e pensar na importância do investimento público e do planejamento para desenvolver o país e compartilhar a prosperidade com todos.

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P.S. – A resenha de Robert Kuttner está na página 8 do exemplar de 18 de novembro da New York Review of Books. Encontrável na Livraria da Vila. Os livros de Kuttner são editados no Brasil pela Companhia das Letras.

 

Posted on 30th janeiro 2022 in Sem categoria  •  No comments yet