Bernard Cathelat – esse cara é importante para entender o caso do general Benjamin Arrola
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A redemocratização começou em 1982, embora o último general só tenha ido para casa três anos depois – e a gente precise lembrar o tempo todo que ainda não apareceu um gênio capaz de inventar regime melhor do que a democracia.
As eleições diretas estavam de volta, depois de duas décadas de governadores apontados pelas Assembleias Legislativas. Mas, como fazê-las? Era preciso entender os novos segredos das campanhas políticas. A televisão ainda imperava, mas outros meios de comunicação como o rádio, a mídia impressa, outdoors, mala direta ofereciam caminhos para chegar ao eleitor.
No começo do ano, o MDB paulista, que lançava a candidatura de Franco Montoro ao governo do Estado, organizou um seminário de marketing político e convidou especialistas alemães, franceses e americanos.
Marqueteiros de toda parte correram para São Paulo apenas para verificar que as novidades eram antigas: pesquisa quantitativa, organização de campanha, confirmação do discurso através de pesquisas qualitativas – e só.
Até que os franceses começaram a falar. Eram discípulos de Bernard Cathelat, sociólogo que se especializou desde 1972 no estudo do estilo de vida do eleitor.
Quando a ideia começou a ser apresentada todo mundo viu que aquilo era um ovo de Colombo. O eleitor, dizia Cathelat, não vota só por ser pobre ou rico, por ser preto ou branco, por ser católico ou espírita. Vota em quem parece com ele.
É preciso uma análise mais sofisticada para antecipar a decisão de voto. Saber se ele lê, o que lê, se torce para o Corinthians, se frequenta concertos, shows de rock ou pagode, se usa terno e gravata, se participa de debates sobre arte contemporânea, se constrói casas, se sonha com um Mustang ou com um MG, se conversa com os vizinhos, se frequenta clube de tiro, se ouve pastores na rádio, coleciona música sertaneja ou proíbe a filha de usar biquíni (o assunto estava em moda).
Cathelet propunha usar os recursos do censo demográfico e de outras bases de dados, com auxílio da tecnologia digital, para aplicar um método inovador de entender o estilo de vida do eleitor e da sociedade.
Seu livrinho de 150 páginas “Les Stiles de Vie des Français” descrevia métodos de reunir grupos de eleitores que apresentavam o mesmo tipo de atitude, comportamento e motivação. Oferecia um mapa multidimensional para analisar como esses grupos reagiriam ao discurso de cada candidato, assim como comprariam ou deixariam de comprar determinado shampu, automóvel, disco ou alimento.
Na época, a dificuldade era aplicar os longos questionários. Pesquisadores deveriam bater de casa em casa e realizar entrevistas com meia hora de duração. O questionário mais extenso exigia mais treinamento do entrevistador e portanto um custo maior da pesquisa. A adesão ao marketing político de Cathelet foi lenta, mas quem foi, nos anos seguintes, até a Universidade de Paris-Sorbonne conversar com ele não se arrependeu.
No CCA, Instituto para Sócio-Estilos de Vida onde ele era co-fundador, estavam as informações para detecção e monitoramento de tendências no corpo social e tipologia de modos de vida e pensamento que foram usadas trinta anos depois pela Cambridge Analytica para a eleição de Donald Trump em 2016 e de Jair Bolsonaro dois anos mais tarde.
O grande obstáculo para usar o microtargeting era custo, agora não é mais. O Facebook e outras redes sociais entregam informações baratas sobre os usuários. Cada vez que alguém dá um like num cantor, pastor, jogador ou influencer revela mais um pedaço de seu perfil aos pesquisadores.
Combinando likes de algumas atrações, como Lady Gaga ou House of Cards no Facebook, analistas catalogam usuários em seis grandes categorias –
1) introvertidos,
2) extrovertidos,
3) amáveis,
4) dotados de visão crítica,
5) facilmente impressionáveis ou
6) abertos a novas experiências.
Isso permite disparar de mensagens em massa na direção certa. A dolorosa experiência recente permite dizer que um microtargeting bem feito permite vender cloroquina e aplicações anais de ozônio para tratamento de Covid. No Irã, conta Patrícia Campos Melo em “Máquina do Ódio”, 44 pessoas morreram depois de tomar álcool adulterado para matar o vírus. Fakenews instigaram algumas pessoas a acreditar que um misterioso algorítimo dirigia os votos dos eleitores para candidatos patrocinados por Satanás.
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Fontes: “Les Stiles de Vie des Français”, Bernard Cathelet
“Socio-Styles, o novo sistema de classificação de estilos de vida para identificar e direcionar consumidores e mercados”, Bernard Cathelat, edições Kogan Page, Londres, 1993
“The Hype Machine”, Sinan Aral, Currency Trade Paperback Edition, Random House, 2021
“A Máquina do Ódio”, Patrícia Campos Mello, Companhia das Letras, 2020
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P.S. – Bernard Cathelet também atuou como sociólogo do Observatório Netexplo, um instituto de monitoramento e análise global de inovações digitais e suas aplicações, para a análise de seu impacto sociológico. Dê um google em Netexplo, que vale a pena.
P.S.2 – Dê um Google em General Benjamin Arrola
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