Quero votar como um pirata
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Cada urna custa 985 dólares. Nós pagamos.
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Volto ao Walter Lippmann (1889 – 1974), o primeiro analista político estadunidense a criticar a mídia e escrever que a democracia representativa não funciona. Descobriu que o cidadão comum é incapaz de tomar decisões políticas simples, como votar para presidente, eleger um bom deputado é até escolher o melhor candidato a xerife do condado. A escola precária e a midia comprometida são culpados pela falta de educação social, isto é, educação para entender a sociedade moderna.
Os gregos antigos não escolhiam representantes. Elegiam diretamente, na ágora, seus senadores. Hoje o mundo não cabe na praça e tudo complicou. O cidadão precisa de uma quantidade enciclopédica de informação para não falar besteira numa simples conversa de bar. E não basta ensinar ao jovem estudante as questões de hoje; é preciso que ele continue estudando porque amanhã as questões serão outras.
Lippmann conta a fábula do professor que, ao entardecer, meditava sobre toda essa problemática caminhando por um parque. Bateu numa árvore. Sendo um homem bem educado, prontamente tirou o chapéu (na época, os professores ganhavam o suficiente para comprar chapéus), inclinou-se diante da árvore e disse: “Desculpe-me, senhor, eu pensei que o senhor fosse uma árvore”.
Imagino o que aconteceria se o professor batesse não em uma árvore mas no último modelo da máquina de votar do Tribunal Superior Eleitoral. E lesse na tela o convite para escolher o próximo presidente da República entre Lula, Bolsonaro, Ciro, Tebet e outros. E visse ainda telas com os nomes de centenas de candidatos a representá-lo no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa estadual. Procura no bolso, não acha a colinha. Olha no chão, não há material de propaganda jogado fora, como nas eleições de antigamente. Tira o chapéu, inclina-se diante da urna eletrônica e diz: “Desculpe, Dona Urna, eu pensei que a senhora fosse do tempo em que o voto era impresso e entregue pelo cabo eleitoral”.
E não vota.
Vou votar dia 2 de outubro, mas desconfio que vai ser um esforço inútil. Nosso presidencialismo de coalizão produziu a figura do presidente de opereta, consagrou o foro especial por prerrogativa de função e transformou a Câmara e o Senado, que deviam ser templos do civismo, em covil de marginais. Quem não é malfeitor se sente meio deslocado lá dentro. Eis a verdade: nossa democracia representativa despreza a demografia. Como um país onde a maioria dos habitantes são negros e pobres tem um congresso branco e rico? Onde estão as mulheres deputadas, que deviam ser maioria no Congresso e não passam de 15% – algumas não conseguem nem fazer cara feia para as perversidades por causa do botox e dos fios tensores. Não sou contra o botox, mas exijo cara feia diante de um congresso sicofantista juramentado, que nem o Dias Gomes imaginou.
Lippmann não era otimista com o regime porque sabia que Jefferson, Hamilton e os outros Pais da Pátria americana fundaram uma república, não uma democracia. Aqui é pior: os “democratas” amam as multidões e têm medo dos indivíduos que as compõem.
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P.S. – Por que a pirataria deu tão certo no mundo? Porque os comandantes dos navios piratas eram eleitos por suas tripulações. Diretamente. Em assembleia no convés principal. E, se decepcionassem, a tripulação podia votar para substituí-los.
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