Sob um céu de horror alaranjado

.

Foto do autor, às 17h47 de ontem.

.

Os tons laranja que pintaram o céu de Curitiba na tarde de ontem não são belos. São sinistros.

Fique esperto, irmão curitibano. O céu laranja avisa que seu pulmão está sendo agredido por agentes poluentes malignos. Eles causam – pegue o bloquinho para anotar – asma, bronquite, pneumonia, enfisema, tuberculose e DPOC, que é a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.

Ontem, a taxa de PM era 72, segundo a AccuWeather.

Ruim.

As partículas inaláveis finas (PM) são partículas poluentes que podem entrar nos pulmões e na corrente sanguínea. Por isso a gente tosse, tem dificuldade de respiração, a asma piora e o corpo sofre com o desenvolvimento de doenças respiratórias crônicas.

Por que isso acontece? Um dos motivos, talvez o principal, é que nesta cidade circulam diariamente dois milhões de automóveis. onibus e caminhões. Todos movidos a gasolina ou óleo diesel. Desculpe, todos não, há uns oito mil carros elétricos ou híbridos circulando por aí.

São dois milhões de motores emitindo monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, hidrocarbonetos, óxidos de enxofre e as partículas inaláveis, além de aldeídos e outros compostos perigosos. Como são muitos, não cabem nas ruas. Nos engarrafamentos, a produção de agentes tóxicos aumenta.

Seria diferente se a gente tivesse brigado pelo bonde e outros veículos sobre trilhos. Motores elétricos são infinitamente menos poluentes. Se o amigo tiver um tempinho, dê uma olhada em Os Trilhos de Curitiba.

A dissertação de mestrado de Olga Mara Prestes, da PUC, pode ser encontrada em https://archivum.grupomarista.org.br/pergamumweb/vinculos/tede/olga.pdf.

A autora analisou projetos e conversou com alguns de seus autores, como os arquitetos Lubomir Ficinski, Sergio Rizzardo, Reginaldo Reinert e os engenheiros Euclides Rovani, José Alvaro Tardowski, Ubiratan de Almeida e Luiz Fila. Aparecem, na voz deles, os projetos absolutamente viáveis, oportunos, adequados que Curitiba rejeitou.

Agora o castigo chegou. Poluição e engarrafamento, além do céu de laranja horror que paira sobre nos.

.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Leia com atenção. A frase pregada na janela do ônibus tem uma pegadinha

A educação pública do Paraná vem perdendo alunos. A evasão escolar está aumentando.

.

Dois conselhos iniciais.

A primeira é do ministério da Educação, que adverte para o perigo de comparar rankings de educação.

O segundo é das organizações internacionais que cuidam da educação. Elas avisam que o Brasil continua na parte de baixo do ranking. No segundo bloco. As notas dos brasileiros estão muito abaixo das médias registradas pelo países da OCDE, que é a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

De fato, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) coloca o Paraná em primeiro lugar no Brasil. Média acima de 6, como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e outros Estados. Diferença de décimos.

Mas atenção: esse Ideb é a composição dos resultados das escolas estaduais e municipais. O investimento da primeira à quarta série é dos municípios.
O município de Curitiba, por exemplo, tem ótimo Ideb. A rede pública municipal é destaque nacional.

E atenção de novo: o Ideb é aplicado tanto em escolas públicas como particulares. A média em português e matemática das escolas particulares do Paraná é dois pontos mais alta que a das escolas estaduais. Puxa a media para cima.

Em resumo, a propaganda colada no ônibus é abobrinha. É impossível avaliar o investimento do Estado em educação básica pelo Ideb.
E não existe um ranking nacional de investimento em educação.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Juliette Binoche é um bom motivo para você assistir a esse filme. Mas não o único

,

Será que Marianne não imagina que está tirando o emprego de alguem que necessida dele? Ou imagina otimista que tudo vale a pena para expor as desumanas condições de trabalho das faxineiras dos ferries?

.

Não sei se ela é a melhor atriz do cinema francês, mas a presença dela justifica a compra do ingresso. Binoche raramente erra na escolha de seus papeis e este Entre Dois Mundos não é exceção.

O filme de Emmanuel Carrère (*) conta a história de Marienne (Binoche) que, em meio à crise geral de emprego, consegue um trabalho como faxineira. Recebe menos de 8 euros/hora, pagamento miserável para os padrões europeus, não tem férias, muito menos plano de saúde ou licença-maternidade, mas era pegar ou largar.

Como o tempo ela vai aprendendo o serviço e assume um posto na equipe de limpeza do ferry Ouistreham, que faz a rota Caen-Portsmouth duas vezes por dia. Um trabalho cruel, que começa pontualmente às 6h (quem faltar ou atrasar perde o emprego) e vai até às 22h30. Há 230 cabines para trocar a roupa de cama, toalhas e limpar o banheiro, 4 minutos por cabine.

O trabalho extenuante e a ausência de tempo para ligações sociais cria uma relação de camaradagem entre a equipe mista da faxina. (Tirando Binoche, os outros personagens não são atores profissionais). Marienne vai conhecendo as companheiras de trabalho – aquela gente que vive de salário mínimo – e desenvolve amizade com várias colegas, principalmente com Chrystèle (Helène Lambert), mãe solitária de três filhos.

Aqui e ali a câmera mostra Marienne tomando notas em seu caderninho. Aos poucos descobre-se que ela é na verdade uma escritora de sucesso que finge ser mulher desempregada e abandonada pelo marido para colher material para o próximo livro.

A partir desse momento o público passa a julgar se a denúncia das condições brutais de trabalho das trabalhadoras nos ferries justifica o artifício. “Estou enganando essa gente, mas é para o bem deles” – isso é ético?

A dificuldade para decidir está principalmente na qualidade da intepretação de Juliette Binoche, que aos 61 anos e um Oscar assume cada vez mais a condição de estrela maior do cinema. Em momento algum a gente deixa de simpatizar com Marianne e seu livro-reportagem sobre as faxineiras do ferry. Mas os vinte e poucos espectadores da sessão de terça às 18h30 no Cineplex Batel saíram da sala 3 desconfiando que certo mesmo é o que determina Chrystèle ao decidir se afastar para sempre da escritora rica: “Chacum à son place!”.

Cada um no seu lugar.

*
.

ghhhhj

Emmanuel Carrère

.

(*) Emmanuel Carrère é um diretor esporádico. Seu filme anterior The Moustache é de 2005. Este é de 2021 – ninguém sabe porque só agora chegou aqui.

Entre os dois filmes, Carrère escreveu o monumental O Reino, best-seller vendido na França em edições sucessivas que somam centenas de milhares de copias. O livro, que para alguns críticos é uma obra prima, reconta os primordios do cristianismo e investiga as vidas de São Paulo e São Lucas.

Carrère descreve como dois homens, Paulo e Lucas, transformaram uma pequena seita judaica – centrada em seu pregador, crucificado durante o reinado de Tibério e que acreditavam ser o messias – em uma religião que em três séculos transformou a fé no Império Romano e conquistou o mundo.

Em português a edição é da Companhia das Letras, tradução de André Telles.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Fim de domingo

.

esgoto dldrrdfklrlrl

Melhor carregar no colo do que ter que lavar a patinha com água clorada.

.

Na tarde de domingo o esgoto estourou na Praça 29 de Março, antigo Campo do Poti. Pelo cano avariado corre a sujeira das Mercez misturada com água da chuva que agora ameaça inundar a rua Brigadeiro Franco na esquina com Martim Afonso – uma das mais movimentadas da cidade.

O duto estourado, o bueiro levantado pela pressão do líquido são um pedido de socorro aos novos donos da Sanepar – gente endinheirada que investiu em ações da empresa com a promessa de retribuição em dividendos.

Dividendos?

Dividendos são uma parcela do lucro apurado por uma sociedade anônima, distribuída aos acionistas por ocasião do encerramento do exercício social.
No Brasil, a lei manda distribuir no mínimo 25% do lucro.

Quem são os acionistas? No início da Sanepar, criada em 1963, o grande acionista era o Estado e uma parte pequena das ações pertencia aos municípios.
Isso foi mudando. Hoje apenas 20% das ações estão com o Estado. Acionistas nacionais têm 53,69% e estrangeiros 25,91%.

Que lucro é esse? Grosseiramente, o lucro é o resultado de uma conta simples: tudo que a empresa ganhou menos tudo que a empresa gastou.
Seria uma operação fácil de fazer se não fosse a obrigação de novos investimentos, principalmente no setor de esgotos.

De longe dá para sentir o cheiro do problema: muito é coletado e pouco é tratado. O resultado são rios e lagos poluidos com esgotos que chegam carregando bilhões de bactérias patológicas, resíduos industriais, agentes tóxicos.

Em uma sociedade justa o lucro deveria ser integralmente transformado em investimento até que todos tivessem esgotos coletados e tratados. Afinal, é para isso que a gente paga a taxa de esgoto, não é?

Não é. No ano passado a Sanepar distribuiu 403 milhões de reais aos acionistas a título de dividendos. Partilhou um lucro que não deveria existir.

.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Tragédia periodística (en un solo acto)

.

Cena 1
Local – Redação do Jornalão
Época – Década de 1960
Personagens – Editor-Chefe e Estagiário
(o estagiário muito atento toma notas em seu bloco. Ao fundo, o barulho inesquecível das Olivetti)

.
.
.

Editor-chefe – …e aprenda mais uma coisa: a ética é teu pior inimigo.

Estagiário (com cara de dúvida) – É?

Editor-chefe – Pode confirmar com os estagiários que mandei embora.

(Pano rápido)

*

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Tchau, Nacional

.

Depois de esvaziar as gôndolas, o Nacional colocou o resto em carrinhos e vendeu tudo - até a última escova de dentes infantil.

Depois de esvaziar as gôndolas, o Nacional vendeu o resto em carrinhos – até a última escova de dentes infantil, de R$9,59 por R$2,90.

.

Olha o Nacional se despedindo.

Nenhum curitibano vai chorar o fim do Nacional Juvevê porque não houve tempo para criar laços sentimentais como no tempo dos Demeterco.

É uma historia longa, que começa em 1894, com a chegada da família Demeterco a Curitiba. Eram imigrantes ucranianos trabalhadores e morigerados. Bastou uma geração para que em 1924 Pedro Demeterco registrasse a firma Demeterco & Cia e outra para que Roberto Demeterco criasse a rede Mercadorama, que começou na Praça Tiradentes e chegou a seu ponto alto no Juvevê.

Durou 40 anos.

Então a Rede Mercadorama foi vendida ao Grupo Sonae, de Portugal, dono de negócios em dez países, que jogava bruto e arranjou brigas com fornecedores – a mais barulhenta com a cooperativa de leite de São José dos Pinhais. Os produtores denunciaram à imprensa e ao Ministério Público a tentativa de impor preços unilateralmente ignorando até as variações sazonais do custo de produção do leite.

Com a opinião pública do lado dos leiteiros, os portugueses do Sonae decidiram concentrar seus interesses na fábrica de compensados de Pien e passaram o Mercadorama para o Walmart em 2005. Durou 16 anos e a rede virou BIG/Advent, que instalou a marca Nacional.

Ontem foi a despedida. Agora a loja passa à rede Festval com a promessa de vida nova. Chegam arquitetos de interiores com a missão de deixar tudo bonito e reativar o restaurante.

Como era no tempo do Roberto Demeterco.

*

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Muggiati, o polímata das Laranjeiras

.

.

.

Na saudação ao nosso novo confrade Helio Puglielli tomei coragem e informei ao público presente que a Academia Paranaense de Letras contava agora com um polímata – alguém de múltiplos conhecimentos em diferentes áreas do saber.

“Bons jornais não se vão. São editados pelos jornalistas que aprenderam a essência da profissão – o cultivo da dúvida, o amor à apuração, a teimosia de não frequentar clubes que te aceitam como sócio.
É assim que nosso novo confrade deve ser visto: como um jornalista que nasceu professor e tornou-se – me perdoem a ousadia – um polímata”.

Agora leio a República, órgão da República Independente das Laranjeiras, onde outro colega de Academia Paranaense de Letras, Roberto Muggiati, inicia a publicação do folhetim “Mistério no Glicério”. Não só oferece um texto cativante como desenha as ilustrações. Coisa de polímata, como logo percebe o editor do tabloide do bairro carioca.

gghghghg

.


.

Então está combinado: temos dois polímatas na APL.

Por enquanto.

.

Publicado em Sem categoria | Com a tag , , , | Deixe um comentário

Há 70 anos o Presidente da República foi seduzido pelo governador do Paraná neste Palácio iluminado

.

.

Era sábado, 18 de dezembro de 1954. A nata da sociedade paranaense foi o Palácio Iguaçu para participar do primeiro banquete na nova sede do governo e para ouvir o presidente da República João Café Filho.
Café Filho tirou o discurso do bolso e leu com emoção as palavras que tinha escolhido cuidadosamente. Falou das suas visitas ao Paraná, dos cafezais que explodiam a cada safra recorde e proporcionavam as divisas que o Brasil necessitava. Elogiou a gente trabalhadora, a vocação civilizatória do povo e confessou seu encanto com “o poder de sedução” de seu prezado amigo Munhoz da Rocha.

Tinham sido colegas na Câmara dos Deputados onde Bento brilhava cada vez que subia à tribuna. Nas conversas particulares o assunto era aquela infinidade de questões que o paranaense dominava tão bem. Economia, sociologia, filosofia – tudo nele indicava o estadista, o homem certo para governar o Brasil naquele tempo de mudança.

Mudava a capital, que ia para o Planalto Central. Mudava a matriz produtiva com a Petrobrás, a CSN e o desenvolvimento industrial. Mudava, principalmente, a conjuntura internacional, com a ascensão dos Estados Unidos à liderança do mundo ocidental.

Bento era o avanço sintetizado no palácio modernista concebido por David Azambuja. As linhas retas do edifício de 15 mil metros quadrados apontavam para o futuro glorioso do novo Brasil. Aplausos.

Nunca o Paraná esteve tão perto da presidência como naquele verão de 1954.

*

Alguns acham essa afirmação exagerada.

Pertíssimo da Presidência, dizem eles, estivemos em 1977, quando o general Geisel pensou no governador Ney Braga para sua sucessão.

O aprofundamento da violência nos porões da ditadura atrapalhou o projeto de Geisel. Vladimir Herzog é suicidado no DOI-CODI. A multidão indignada se reune na Praça da Sé para orar com o cardeal Arns, o pastor Wright e o rabino Sobel. O Brasil se levanta contra tortura, os desaparecimentos, a insegurança. O ministro da Guerra, Silvio Frota, tenta um golpe dentro do golpe e o presidente tem que recorrer aos generais do alto comando do Exército para afastá-lo.

Aí ferrou. Os generais sentem-se no direito de indicar João Figueiredo, o chefão do SNI.

*

Observem a foto aí no alto. É de ontem. Neste inverno de 2025 fulguram as luzes do Palácio Iguaçu.

Mais uma vez, a bola é cruzada na nossa área. Na meia lua, pronto para o arremate, está Ratinho Júnior. Só espera que Tarcísio de Freitas dê um corta-luz e deixe para ele. Está no jornal: Tarcísio só vai na boa. Se a oposição no Congresso, a Faria Lima, o agro e os dois grandes jornais paulistas não conseguirem dizimar a popularidade de Lula, o governador de São Paulo fica para a reeleição.

.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Pequena reflexão sobre o pedal, o patrimonialismo e a malandragem no trânsito

.

Tá no Standard a notícia de que agora ciclista que furar o sinal é processado por crime e recebe multa de 400 libras (2.800 reais).

.
Outro dia morreu mais um menino que pedalava a bike agarrado à rabeira de um ônibus. Centenas de ciclistas e motoqueiros continuam furando o sinal vermelho como se a lei de trânsito fosse apenas para os otários parados em seus automóveis.

Essa coisa de lei que não pega é mania brasileira amplificada em Curitiba. No caso, a lei que não pegou – corrijo: que só pegou parcialmente – é o Código Nacional de Trânsito.

O CNT também proíbe rachas, mas basta passar às 23h pelo finzinho da 7 de Setembro pra ver os Porsches enfrentando os Lamborghini a 250 por hora. (Aqui entra a visão patrimonialista: rico é dono da rua – e azar de quem estiver no caminho, como aqueles dois rapazes assassinados na saida do Shopping Barigui em 2009 pelo deputado a 190 por hora).

É proibido andar na contra-mão, mas é incrível como a gente cruza com idiotas tentando transformar em atalho uma rua de mão única.

Quando alguém fura o sinal vermelho está desobedecendo uma das leis mais antigas do mundo moderno. Existe desde 1868, quando um engenheiro inglês chamado John Peake Knight inventou um dispositivo com luz verde e luz vermelha, iluminado a gás, para acabar com os acidentes entre carruagens e tilburis (charretes), nas ruas de Londres. Outro inglês, o Gregor Tilbury, foi o inventor desse veículo mais barato, de duas rodas.

Por que o ciclista do iFood fura o sinal?

É problema de alta indagação filosófica. Na prática, porém, ele fura o sinal porque é estimulado pelo algorítimo capitalista a entregar depressa as pizzas que transporta nas costas e talvez ganhar mais um dinheirinho.

E por que o ciclista que não é do iFood e o garoto da Harley também furam o sinal?

Porque eles se acham rebeldes, não hã câmera gravando e o carro na outra rua ainda está longe. Sentem-se espertos porque obedeceram a uma razão de primeira ordem (RPO)
.
O sinal vermelho, o Código Nacional de Trânsito, as recomendações da mãe são razões de segunda ordem (RJSO).

A importância de ignorar as razões de primeira ordem e obedecer às razões de segunda ordem é explicada aqui em artigo do professor Lênio Streck.

Os ciclistas de Londres que furam o sinal são multados em 400 libras (2.800 reais aproximadamente) e enquadrados criminalmente.

A maioria do povo não fura sinal. Nem protagoniza racha na Sete. Obedece às razões de segunda ordem. Meio por instinto, a maioria é da turma do Aristóteles, entende o fundamento ético da vida em sociedade que a lei te trânsito sintetiza.

Então anote aí:

O verdadeiro malandro para no vermelho.

*

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Vale a pena enganar o povo?

O Conde Cabarrús defendia junto ao rei Carlos IV o “iluminismo autoritário”.

.

Um sábio político do interior ensinava:

-Para ganhar a eleição você tem que falar mal do outro candidato. Então você olha bem a cara dele e decide: se ele tem cara de corno, inventa que a mulher trai ele com o segurança. Se tem cara de viado, conta que ele vive indo a outra cidade onde há uma sauna gay. Se tem cara de honesto, espalhe que ele é ladrão.Todo ladrão que conheci tinha cara de honesto.

Fazia uma pausinha antes de concluir:

-Mas não invente que ele é duas coisas ao mesmo tempo porque aí o povo não acredita.

Foi isso que aconteceu no Brasil. Para virar a eleição inventaram que a urna eletrônica estava roubando voto para o PT. Para melhorar a história contrataram um hacker para invadir o site do TSE e fabricar um mandado de prisão contra o Xandão. Aí convenceram o povo que era preciso ir para o muro do quartel e orar contra o comunismo. No fim invadiram o Congresso, o STF, o Palácio. E quebraram até o relógio de D. João VI.

Só não deu certo porque inventaram muita coisa ao mesmo tempo.

Não é novidade. No Estado Novo forjaram o Plano Cohen. Em 1954, o Atentado da Rua Toneleiros. No ano seguinte, o general Lott deu o contragolpe preventivo no Café Filho. E Jânio? Diziam que estava bêbado. Em 1964, a ameaça comunista. Em 1968, cem mil estudantes na rua, AI-5. Depois a bomba do Rio Centro. Golpes e contragolpes acontecem em todo o mundo. Dependem só de uma história em que o povo acredite.

Um flashback. No final do século 18, mandava na Espanha o Conde de Cabarrús, francês naturalizado espanhol que começou pobre, subiu todos os degraus do poder e chegou a Ministro das Finanças. Convenceu o pais a entrar em guerra com a França e, como faltou dinheiro, intermediou empréstimos com banqueiros internacionais. A Espanha perdeu a guerra mas Cabarrús ficou rico com as comissões.

Um dia, resolveu publicar um livro resumindo suas experiências. E escreveu:

Perfurar tuneis, redirecionar rios, conquistar o oceano; todos estes milagres da inteligência humana são brincadeiras quando comparados com a tarefa de fazer o homem ver e agir de acordo com o seu verdadeiro interesse (1).

Seu dele ou seu de você?

*

(1) Francisco de Cabarrús – Sobre los obstáculos de opinión y el medio de removerlos. 1795

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário