O dia em que o juiz de Coritiba e Bahia decidiu não apitar mais. E foi embora do campo

Os calendários do futebol brasileiro eram camaradas nos anos 1950. Sempre havia datas vagas. Em outubro de 1952, para preencher o vazio, os times baianos Bahia, Vitória e Ipiranga convidaram o Coritiba para um quadrangular em Salvador.

O time-base era Hamilton, Fedato e Araujo; Fábio, Merlin e Ribeiro; Baby, Miltinho, Toni, Ivo e Renatinho. Em Salvador jogou na meia Almir Manzochi, que fez o gol solitário; os baianos venceram a final do quadrangular por 2 a 1. E Paraná Esportivo reclamou em manchete: “À CUSTA DE BOTINADAS A VITÓRIA DOS BAIANOS”. 

No vestiário do Coxa, canelas com marcas de travas de chuteira, tornozelos inchados e uma sensação de você-vai-me-pagar. Os dirigentes mantiveram o fair play, cumprimentaram seus pares e convidaram o Bahia para jogar em Curitiba em dezembro. Não deu. Os baianos só vieram em abril para um torneio triangular com o Coritiba e o Atlético. No dia 5, no Belfort Duarte, o público assistiu a um jogo mágico: pouca técnica mas toneladas de emoção.

E espanto.

Os baianos saíram na frente. Aos 22 do primeiro tempo, Testinha chutou forte, Pianovski rebateu de soco, Raimundo chegou antes para marcar de cabeça. Um a zero. O Coxa foi para cima atrás do empate. Há uma falta perto da área baiana, Sanguinetti cobra rápido e faz gol. O árbitro Barbosa Lima Neto manda repetir porque não tinha autorizado a cobrança. Lula apanha a bola e se prepara para chutar mas é impedido pelo ponta Isaltino, que tira a bola do chão, se abraça nela, e manda formar barreira. O juiz vê a bola na mão de Isaltino e não vacila. “Fora! Está expulso de campo!.” Confusão. Isaltino xinga o juiz,  que confirma a decisão para o presidente da Federação Paranaense de Futebol, Plinio Marinoni, que havia entrado em campo junto com uma porção de gente, inclusive o fotógrafo J. Kalkbrenner Filho. Marinoni pediu calma e ponderação. Teve o enérgico apoio de Xavier Vianna, Suplente de Delegado de Polícia a serviço no Belfort Duarte. Surgiu uma proposta de paz. Que tal se o jogador pedisse desculpas, se retratasse, e Barbosa Lima Neto cancelasse a expulsão? “Topa, Isaltino?” O ponteiro não topava. Não era homem de se retratar. Ademais, o juiz era um fdp mesmo. Os baianos iam sair de campo em sinal de protesto. O presidente fez nova proposta, pensando no brilho do espetáculo.

-E se a gente trocar de juiz?

Os baianos fizeram uma rodinha para deliberar; em cinco minutos chegaram a um consenso. Tudo bem. Seguimos com outro juiz. O escolhido foi Vitor Marcassa, que sabia apitar e era considerado um cidadão de boa vontade. Deu nova saída e o Coritiba empatou com gol de Almir. Chegou o intervalo. No vestiário os presidentes pediram licença aos técnicos e fizeram preleções a favor da calma no gramado.

Não adiantou. No segundo tempo comeu o pau. O Coritiba, para evitar maiores danos, substituiu o médio Márcio, normalmente elogiado por seu jogo viril. Houve mais um gol para o Bahia, Carlito de cabeça, e um gol para o Coxa, de Renatinho, cobrando pênalti em Miltinho. Outros vinte minutos de muito pontapé e escasso futebol e o juiz improvisado apitou o fim do jogo.

O 2 a 2 final foi o placar de um dos muitos empates entre as duas equipes de 1952 até agora. Houve 42 jogos, com 8 vitórias do Bahia, 22 empates e 12 triunfos do Coritiba.

*

P.S. – A foto sem identificação do autor é do time de 1952. No ano seguinte o Coxa contava também com Almir e Lula. O Kalkbrenner me disse que pode ser dele, mas não garante. Deixou todos os negativos de futebol nos arquivos do Paraná Esportivo e Diário do Paraná.

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