
Pesquisador Luis Carlos Betenheuser Jr
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1985. Comecei a desconfiar logo de manhã. No elevador, um conhecido abriu seu melhor sorriso e disse:
-Grande vitória a nossa, heim?
Concordei distraído, já estávamos no térreo. Algumas quadras adiante lembrei: o conhecido era Atlético. Eles, então, tentavam se apropriar da nossa conquista.
Em outros locais e situações confirmei a suspeita. Atleticanos e colorados, pinheirenses e londrinenses almejavam ser campeões do Brasil à custa da gente.
Este é um alerta. Fique atento, leitor Coxa. Não deixe que avancem no que é nosso.
Pois fomos nós, exclusivamente nós, que batalhamos, desde que a bola é bola, os tostões para entrar no estádio e ver a inesquecível linha Baby, Merlin, Neno, Camarão e Altevir. E o Tonico, o Cartola, o Fedato – impávido Fedato! – foram objeto de admiração ritual de nossos olhos infantis.
Choramos um rio de lágrimas sentidas nas derrotas para o inimigo. Principalmente nas derrotas arrancadas à custa de malícia e colocadas a serviço do deboche – como quando o ponta esquerda Cireno levou o goleiro Belo a loucura ao arrancar o gorrinho que lhe escondia a calva.
É verdade que demos o troco, anos depois, quando Miltinho, pior que um saci, driblou, driblou, driblou, até que ninguém mais ousou chegar perto para ser driblado. E então – glória suprema! – sentou sobre a bola e devolveu o deboche com juros e correção monetária.
Ou então quando o Ivo Cavalo de Pau beliscou as partes pudendas do goleiro deles que de tão indignado esqueceu de segurar a bola. Por mais que se elogie a arte, o futebol é isso: chalaça, provocação, sarcasmos e remoques.
Aliados
Agora aparece o conhecido do elevador, melífluo e envolvente, querendo acabar com o encanto. Fora com ele. A obrigação de cada Coxa é manter o desafeto. Senão, a quem fazer escárneo?
Por sinal, o inimigo concorda com isso. Não posso imaginar o Osiris de Britto, do alto de sua dignidade, tentando pegar carona no bonde da glória coritibana. Pelo contrário, ele está fechado em casa tentando inventar uma frase para diminuir o feito. E competência não lhe falta. Afinal, é o Osíris o autor de inesquecível sentença proferida quando lhe apontaram o Coritiba Foot Ball Club como modelo de organização.
-Se eu gostasse de organização, torcia para o time da Volkswagen!
Outro que se preocupa em preservar os laços de inimizade que ligam os principais clubes do Paraná é o Jairo de Araujo Regis, agora morando no plácido Espírito Santo, antes responsável por brilhantes manchetes coxas na revista Placar. Jairo dirigiu a revista com brilho e obstinação alviverdes. Pelo DDD, minutos após a vitória no Maracanã, ele reiterou sua posição histórica.
-Se um dia o Atlético disputar a final com a seleção dos cachorros você vai me encontrar latindo no meio da cachorrada.
Não se deixe iludir, leitor Coxa, querem um pouco de sombra à beira do monumento de nossas conquistas. Ria na cara deles, zombe, chalaceie, escarneça. Só assim eles irão para longe preparar a revanche.
Não sei que idiota disse que todo mundo tem direito de torcer para o Flamengo no meio da arquibancada do Vasco. Suspeito que não fosse um idiota qualquer mas um assassino terrível atraindo a vítima para o local do esquartejamento.
Futebol é sangue e paixão – o resto é demagogia. Nesta hora histórica há que ter visão crítica e resistir às tentações. Belo bem do futebol paranaense precisamos preservar os nossos inimigos.
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(Publicado no Correio de Notícias, em 02/08/1985, agora republicado no Blog do Coxa pelo historiador Luiz Betenheuser Júnior. Valente historiador que neste momento enfrenta um exército de ácaros nos arquivos do Coxa para resgatar imagens e informações velhas de um século. Há um tesouro de documentos nas caixas e caixas que dormiam sob a arquibancada social do Couto. Essa pesquisa nas fontes primárias é árdua mas recompensadora. Numa visita rápida vi relatórios que vão ajudar a reescrever a história de Curitiba – da Curitiba de 60 mil habitantes que recebia o primeiro bonde elétrico (Linha Batel-Alto da Glória) e só comia churrasco graças ao bonde de carga que vinha do Matadouro do Guabirotuba.)
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