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Parece que eles se odeiam mas não se odeiam de verdade – desempenham papeis na peça denominada A República de Renan, megashow natalino com 19 horas de duração, transmitido simultaneamente pelas TVs do Senado e da Câmara. O público interage com os atores xingando e lutando com seguranças.
O atores são deputados e senadores, remunerados de quatro formas, segundo José Simão: salário, jetom, abono e propina. Dividem-se em grupos
Grupo 1 – os que pedem impeachment porque são da oposição.
Grupo 2 – os que pedem impeachment porque são da base aliada e não ganharam ministério.
Grupo 3 – os que não pedem impeachment mas torcem pelo Grupo 1.
Uma grande montagem. Cerca de 600 homens e mulheres de varias idades, vindos de todo o Brasil. Há muitos vilões e a graça é justamente identificar o mocinho no meio deles.
Os atores tomam muito café e comem sanduiches e bolachas em cena. Coma primeiro, a moral fica pra depois, ensinava Brecht. Um observador, do meio do coro, pergunta: se vocês se odeiam, por que não envenenam uns aos outros?
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Não é difícil. Vejo, pela telinha, alguém colocar açúcar no cafezinho. Bastava misturar beladona àquele sachê. Em poucos minutos o veneno agiria sobre o sistema vagossimpático e paralisaria o coração. Morte subida no calor da discussão. Normal. Político vive morrendo do coração.
Mas não é a melhor forma de eliminar o adversário. No ranking da revista Wired aparece em primeiro lugar uma toxina chamada botulinum, também conhecida pelo nome comercial de Botox.
Veneno terrível. A voz vai ficando rouca, as pálpebras pesam, a visão se turva, há fraqueza muscular e perda de controle da bexiga. Respirar é cada vez mais difícil e a pessoa morre.
Se o detetive da peça descobrir que foi envenenamento por Botox, tudo bem – metade dos senadores e deputados tomam injeções de Botox para esconder as rugas.
Entretanto o veneno mais adequado, mais romântico, mais significativo é o abrus precatorius.
Basta uma dose mínima, equivalente a 0,00015% do peso da pessoa. A vítima sente náuseas e convulsões. Logo vem a falência do fígado e a morte. Os enfermeiros da casa encontrarão nas mãos do parlamentar morto um rosário feito com belíssimas sementes de jequiriti, desses que se adquire em qualquer mercado público e casa de material de candomblé.
Especialistas explicam aos excitados repórteres que não há culpados. Um caso de envenenamento involuntário. Nervoso com o clima dos debates, o parlamentar arranhou as contas e o veneno penetrou pela pele.
Fica uma dúvida: morreu orando pela conversão de colegas pecadores? Improvável. Melhor apostar que fazia promessa para a obstrução dar certo e a Dilma valorizar mais o voto aliado.
No jornal do dia seguinte Willian Bonner mostra artesãos do que morreram pelo contato com a semente de jequiriti.
Outro, de menor Ibope, revela que, na medicina Siddha, famosa na India, o pó integra uma poderosa poção afrodisíaca – uma não-notícia, que está no Almanaque Capivarol e na Wikipedia.
Na TV Lumem, o aviso: em Aparecida, todos os rosários são feitos com contas de plástico para proteger os fieis.
Moral da história: todo mundo sobrevive vendendo alguma coisa.