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Para entender o espetáculo de domingo na Câmara dos Deputados é preciso conhecer o Brasil Profundo, o Brasil Binário. Aqui já existe o voto distrital. Os sufrágios são disputados por dois grupos com muita ganância, intriga, briga de família, compromisso desonrado, vingança cumprida.
É o país de José (Zezinho) Bonifácio de Andrada (1904 – 1986), o doutor Zezinho, eleito cinco vezes deputado pela antiga UDN e três pela Arena. Presidiu a Câmara entre 1968 e 1970 – quando foi decretado o Ato Institucional nº5 e começou a fase plumbea da ditadura. Era especialista em Brasil Profundo e amigo de generais. De vez em quando advertia os colegas.
“Vocês dizem o que querem que aconteça; eu digo o que vai acontecer!”
Zezinho Bonifácio era de Barbacena, território de duas poderosas famílias, os Bias Fortes e os Bonifácio Andrade, que dividiam o terreno de forma simples: os Bias Fortes mandavam no município e os Andrade elegiam deputados e senadores.
Zezinho e Barbacena inspiraram Fernando Sabino a escrever O Grande Mentecapto, uma espécie de romance de cavalaria que virou filme dirigido por Oswaldo Caldeira, com um enorme elenco onde se destacavam Diogo Vilela, Luiz Fernando Guimarães, Osmar Prado, Debora Bloch e Regina Casé.
Um diálogo entre o Mentecapto e um morador da cidade esclarece o que estou dizendo.
– Você é bíista ou bonifacista?
– Fascista nunca fui, não sou e jamais serei – respondeu Viramundo, melindrado.
– Sou liberal-democrata, monarquista e parlamentarista.
– Você não me entendeu – tornou o outro, impaciente.
– Quem é que falou em fascista? Eu falei em bonifacista.
– Que vem a ser isso?
– E quem apóia os bonifácios.
– Sei lá quem são os bonifácios! – respondeu o mentecapto, já por conta do Bonifácio.
– São os inimigos dos bias – informou Barbeca.
– Quem são os bias?
– São os inimigos dos bonifácios. E ficariam nisso, se Barbeca não insistisse:
– Aqui em Barbacena a gente tem de ser bíista ou bonifacista.
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