O Bandoneon Imaginário

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Encontrei numa gaveta ignota a fita cassete do Bandoneon Imaginário. A vida inteligente de Curitiba sente muita falta do Mercer.

 

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Mi Buenos Aires querido,

Cuando yo te vuelva a ver

No habrá más penas ni olvidos

El farolito de la calle en que nací

Fue centinela de mis promesas de amor;

 

          

O tango, principalmente do início do século, era um mergulho de cabeça na vida dos vizinhos do Prata e no machismo latino-americano. Há quem diga, que para os compositores da década de 1920 só existiam dois tipos de mulheres na Argentina: as mães e as prostitutas.(*) (Tango: Uma Possibilidade Infinita. Hélio de Almeida Fernandes, Editora Bom Texto, 2000).      

Tudo era dor, angústia, gigolôs e marafonas, amores frustrados, ciúmes, bebedeiras, jogo e crimes passionais. Malvisto pela sociedade tradicional curitibana e  muito amado pelos moradores da noite, o tango se instalou na boate do Hotel Mariluz, na La Ronde, na boate Manhattan, onde todo fim de noite Ema Taylor, atendendo a pedidos, cantava Garufa, que bem mais tarde ganhou versão satírica, o Siritango.

 

Siritango

Versão de Sérgio Mercer, Solda, Chico Branco e Ernani Buchmann, em portunhol de Curitiba, para o tango Garufa, de Enrique Discepolo.

 

Fue en la Farmácia Minerva

No me atendieron

Pedi un Sal de Andrews

O sonrisal

Tomé un Calcigenol

Irradiado

Por la Radio Belgrano

Fenomenal

Una Emulsion de Scott

Sin bacallao

E un pastel de carne

Del Oriental

Comi un cachorro quiente

Mas mucho quiente

Quemé toda mi boca

Quedé piantao

Sinuca 

Porque me puse a jugar

Peruca

Pelado voy a quedar

De porradas

Sé que me quieres

Cubrir

So porque la otra noche

Yo fuí

(A la donde?)

A el Bar Rei do Siri

 

 

Obs: após um entrevero com o dono do Bar Rei do Siri, por alguma questão noturna, os autores resolveram transformar a última frase do tango em “En el Parque Barigui“. Assim, com o nome de Bariguitango, é que ele foi gravado, em 1993, por Marinho Galera, para o CD Sérgio Mercer e seu bandoneón imaginário, do qual o m edico Carlos Alberto Mercer, o doutor Nene, ainda possui alguns exemplares, segundo Ernani Buchmann.

 

Mas o templo do tango, mesmo, ficava na rua José Loureiro, 17. Esse era o endereço do Cadiz Club inaugurado em julho de 1956. A história da casa começa um pouco antes, com a chegada a Curitiba de um grupo de boleristas, Los Halcones Negros. O sucesso junto ao público foi tanto que animou um deles, o cantor uruguaio Élvio Justo Menendez a ficar por aqui.

 

 

O que não faltava na cidade era músico latino-americano. Menendez logo conheceu outro uruguaio, Encitro Pellejero, ás do bandoneón, e juntos abriram o Cadiz Club.

A casa era pequena e vivia lotada.  Ali que se celebrava o jogo de sedução proposto pelo tango. Era complicado aprender a linguagem de dois corpos que se entrelaçam na coreografia definida na Argentina a partir do ritmo africano.

Um dos charmes do Cadiz Club era um programa de rádio de grande e fiel audiência: O Tango abraça o Samba, criado e dirigido por Menendez,  e apresentado por Getulio Curi. Com o sucesso, ganhou transmmissão ao vivo, da meia-noite a uma da manhã, pela Rádio Tingui.

Ritual de desejo, jogo, amores proibidos. Para donzelas, nem pensar. Para cavalheiros, o Cadiz Club. Para lá que se dirigiam os amantes da música de Gardel, como os estudantes de Engenharia, Jamil Mattar, mais conhecido como Zeca, O Maluco do Teclado, (irmão do tambem pianista Paulinho Mattar), e Edmond Fatuch.

O primeiro largou o curso e profissionalizou-se músico. O segundo, ao formar-se deixou a música. Mas antes, junto com Zeca, levou o tango para um ambiente mais familiar.(*) (As noites de bandoneon, argentinas e muito tango. Aramis Millarch, Tablóide Digital, 18.08.89).

Na Sociedade Duque de Caxias, enquanto Genésio descansava, Fatuch, voz, e Zeca ao piano, apresentavam tangos aos freqüentadores das domingueiras dos Chás de Engenharia.

                         E foi no Chá de Engenharia que brilhou, no início dos anos 1950, o maior nome do tango que passou por Curitiba: o maestro e compositor Francisco Canaro. Ele já tinha vindo uma vez, por volta de 1940, e retornava agora, com sua orquestra de 30 músicos (*) (As noites de bandoneon, argentinas e muito tango. Aramis Millarch, Tablóide Digital, 18.08.89)

Dançarino de tango?   Um, inesquecível, o Renato Bom Cabelo. Já de ouvintes de tango, a lista era infindável.  O tango, assim como o bolero, fornecia conteudo filosófico para os poetas boemios. Transbordamento e emoção.  Um mergulho na gíria rioplatense.

O termo Garufa, por exemplo, foi incorporado ao vocabulário curitibano. Sinônimo de boemia, malandragem. Um boêmio que ao dançar, tirava a roupa, para se mostrar desprovido de preconceito. Fazer garufa era fazer farra a qualquer custo, ainda que ao voltar pra casa, ao garufa só restasse comer bananas, nada mais (*) (Miguel Angel Gutierrez).

Este, porém, não era o único termo do lunfardo, a gíria portenha incorporada ao nosso dia-a-dia. Curitibano que gostava de tango sabia até traduzir do espanhol para o espanhol; gambas, eram piernas; globear era mentir; bate era delata e dar dique: engañar com falsas aparencias.  

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(Trecho de Curitiba Jazz Band, logo nas livrarias)

 

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