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“Sabemos que o ar anda irrespirável e a nossa comida incomível – e ficamos sentados olhando a tela onde alguém informa que hoje houve 15 homicídios e 63 crimes violentos, um candidato foi preso, outro levou uma facada na barriga, como se isso fosse o estado normal das coisas. Sabemos que as coisas estão ruins. Pior do que ruins. Eles estão loucos. É como se tudo, em toda parte, fosse enlouquecendo. Por isso, não saímos mais. Sentamos em casa e lentamente o mundo em que vivemos vai ficando menor, e tudo que pedimos é: “Por favor, deixe-nos sozinhos em nossas salas de estar. Deixe-nos a torradeira e a TV e nossos pneus radiais de aço, e não se fala mais nada, só nos deixe em paz”. Bem, eu não foi deixar vocês em paz, eu quero que vocês fiquem loucos!
Peter Finch, pregando a desobediência civil de costa a costa, no filme Rede de Intrigas (1976), de Sidney Lumet, concebido e filmado em plena era de Watergate, da renúncia de Nixon e posse de Gerald Ford, que deu a Nixon o perdão presidencial.
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Numa hora dessas é importante demonstrar algum otimismo.
Acreditar, ao contrário do que se lê por ai, que a democracia deve continuar funcionando durante os próximos tempos.
Acreditar que, como diz a Justiça Eleitoral, a urna eletrônica é um método seguro de votar.
Frequentemente vemos notícias sobre falhas na segurança.
Nos Estados Unidos, hackers demonstraram que a Diebold Express é vulnerável. A fragilidade dela atende pelo nome de Vulnerability CVE-2011-4109, segundo informam Carsten Schurmann e Jari Kickbush na revista Wired.
Descoberta a falha, surgiu o dilema: atualizar o sistema de segurança ou jogar a máquina no lixo? Chamaram alguns hackers do bem e deram um up na segurança.
Deu Trump. E ninguém pediu recontagem de votos?
Aqui, não há dinheiro para substituir nossas Diebold. Resta prometer novena a Nossa Senhora do Bom Voto e tocar o trem.
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Só que, para tudo dar certo, é preciso que as pessoas saiam da frente de suas telas, parem de bostar no Face, ganhem as ruas, ocupem as praças, exijam que os ônibus cumpram horários, os mercados entreguem produtos dentro do prazo de validade, carteiros voltem a sorrir, os buracos das ruas sejam tapados, grandes corporações paguem impostos, a Veja renegue as fakenews, as universidades cumpram 300 dias de aula por ano, os contratos sejam cumpridos – menos aqueles assinados com a finalidade de gerar propinas – e a caguetagem deixe de ser supremo insumo jurídico.