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Black Panther não é um filme qualquer. É um monumento. Um imenso paradoxo econômico. Como pode um blockbuster da Marvel, Estúdios Disney, com orçamento de 200 milhões de dólares, que em quatro semanas de exibição faturou 435 milhões, ser inteligente e politicamente alerta?
Muitos críticos estão convencidos de que este é um ponto de inflexão da história do cinema. Merece uma grande discussão entre estudantes, professores e gente interessada em cinema, o que significa todos nós – quem não tem vontade de debater um filme que subverte as velhas regras de Hollywood?
Filmes sobre negros sempre foram feitos por brancos. Sidney Poitier, o primeiro negro a ganhar um Oscar, fez o papel de operário braçal em “Uma Voz nas Sombras”, de 1963, dirigido por Ralph Nelson, branco, nova-iorquino, que havia servido com destaque na Força Aérea durante a guerra.
Denzel Washington ganhou em 1989 o Oscar de melhor ator coadjuvante como soldado do Exército da União sob o comando do branco Matthew Broderick (que faz a voz de Simba em Rei Leão) e dirigido pelo branco, nascido em Chicago, Edward Zwick.
Agora, são negros o diretor e roteirista Ryan Coogler, que acaba de dizer a uma plateia em Nova York: “Eu tenho muita dor dentro de mim.”, o co-roteirista Joe Robert Cole, os produtores e os atores Chadwick Boseman (T’Challa/Pantera Negra), Michael B. Jordan (Erik Killmonger), Lupita Nyong’o (Nakia), Danai Gurira (Okoye), Daniel Kaluuya (W’Kabi). Apenas Martin Freeman (agente da CIA Everett K. Ross) é branco entre os atores principais. | ||||
Assistir a “Black Panther” não é apenas divertido – é essencial. O filme vira o jogo e inverte o discurso, que agora é contra o imperialismo e a escravidão e a pós-escravidão de hoje. Contra o sistema que mantém milhões de negros em penitenciárias e oferece saídas acordos de leniência aos autores de crimes financeiros.
No meio da Africa, Wakanda não é um país do terceiro mundo. Consegue ser tecnologicamente superior às grandes potências graças às reservas de vibranium, metal raríssimo que salva vidas e ganha batalhas.
O vilão não é o traficante de armas branco Ulisses Klane, mas Killmonger, primo irmão do rei da Wakanda, perfeita personificação da política doméstica e internacional dos EUA.
O tema da maldição dos recursos minerais escassos é conhecido dos brasileiros. Países do terceiro mundo são vítimas de predadores internacionais e condenados à servidão de eternos fornecedores de matérias primas para os desenvolvidos. É a desgraça de ter petróleo, o infortúnio de possuir metais raros usados na indústria de alta tecnologia. O filme de Ryan Coogler propõe ao público de milhões de jovens que assiste a Black Panther igualdade e solidariedade internacionais. Não fosse a eloquência do rei de Wakanda, esses temas tediosos não sairiam do plenário meio vazio da Organização das Nações Unidas.
Este não é mais um blockbuster barulhento de mocinhos contra o Império do Mal. Mas também é isso – porque o Império do Mal é presidido por um comedor de McDonald’s machista e de língua solta, que chama imigrantes de estupradores e traficantes.
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P.S. – Se tiver tempo, leia a crítica de Helen Lewis no New Statesman.