.

O mexicano Juan Rulfo, centenário e esquecido, escreveu: “Todo autor é um mentiroso; a literatura é uma mentira, mas dessa mentira nasce uma recriação da realidade.”
.
TUDO QUE COMEÇA BEM TERMINA BEM. Estou falando de obras primas da literatura. Confira a “pegada” de quatro mestres – três famosos, um que poucos conhecem.
*
Ele era um velho sozinho que pescava em um pequeno barco na Corrente do Golfo e fazia agora oitenta e quatro dias que ele não pegava um peixe.
(Ernest Hemingway, “O Velho e o Mar”, na edição em inglês de 1952, da Alden Press. Em outra versão está a frase famosa omitida na versão de Alden: “O nome dele era Santiago”. A livro ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1954.)
*
Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan vinha do alto da escada, com um vaso de barbear, sobre o qual se cruzavam um espelho e uma navalha. Seu roupão amarelo, desatado, se enfunava por trás à doce brisa da manhã. Elevou o vaso e entoou:
-Introito ad altare Dei.
(James Joyce, “Ulisses”, na tradução de Antonio Huaiss, questionada por causa dos neologismos huaissianos.)
*
Estou vivendo na Villa Borghese. Não há um resquício de sujeira em parte alguma, nem uma cadeira fora do lugar. Estamos completamente sozinhos aqui e estamos mortos.
(Henry Miller, “Trópico de Câncer”, tradução de Aydano Arruda. No prefácio, Anais Nin diz: “Este livro traz consigo um vento que derruba com seu sopro as árvores mortas e ocas cujas raízes estão secas e perdidas no solo estéril do nosso tempo. Este livro vai até as raízes e escava por baixo, escava à procura de fontes subterrâneas.”)
*
Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal Pedro Páramo. Minha mãe me disse. E eu prometi para ela que viria vê-lo quando ela estava morrendo.
Juan Rulfo, “Pedro Páramo”.
O início do romance de Rulfo é aqui citado ao lado de outros monumentos literários porque “Pedro Páramo” é também uma obra prima, daquelas que se conhece pela primeira frase. Originou toda a rica literatura latino-americana, com destaque para a obra de Gabriel Garcia Marques. Sem “Pedro Páramo”, não existiria “Cem Anos de Solidão”. Quem escreve isso, na New York Review of Books, é Ariel Dorfman, professor emérito de literatura na Duke University.
O centenário de Juan Rulfo (1917-1986) foi solenemente ignorado no ano passado. Ele é considerado um dos mais influentes escritores de todos os tempos. Na New York Times Book Review ele foi aclamado como um dos “imortais” citados no início. Susan Sontag chamou-o “master storyteller”, responsável por uma das obras primas da literatura mundial do século vinte.
A obra prima está à disposição do leitor em https://vivelatinoamerica.files.wordpress.com/2014/05/pedro-pc3a1rramo-de-juan-rulfo.pdf
.
.