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Se acaso se perder no Centro Cívico, aproveite para contemplar o mural de Rogério Dias. São 50 metros quadrados em homenagem ao Rio Iguaçu e seus passarinhos.
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No caderninho Moleskine uma anotação: “Nem toda distância é ausência; nem todo silêncio é esquecimento”. Estava assinado J.H. Nichols, mas podia ser Luis Fernando Veríssimo, a internet aceita tudo. Ao lado do carro preto, de bermuda e camiseta naquele fim de tarde de sábado, um ventinho frio nas pernas, pensava em distâncias e ausências. Não conseguia abrir a porta porque, por alguma bruxaria, a chave sumira de seu bolso. Impossível buscar a reserva em casa: a chave da casa estava no porta-trecos do carro – só arrombando.
Foi-se a alegria dos sete quilômetros caminhados, do Centro Cívico ao São Lourenço, ida e volta. A bela e rara tarde de sol já era. Dedicou-se a pensamentos sombrios sobre o que acontece com gente que anda por ai perdendo coisas, esquece o nome das pessoas, candidata-se ao asilo de velhinhos.
Tudo é memória, esquecimento, ausências, ensinou Nichols/Veríssimo. Escalar o time do Coxa de 1972 é fácil: Jairo, Hermes, Pescuma, Claudio e Nilo; Fito e Dirceu; Zé Roberto, Leocádio, Kruger e Helio Pires. Timaço, lembro dos quatro a zero no São Paulo, dois de Zé Roberto. A memória remota está beleza. Difícil é o ontem, o menu do almoço de domingo, o nome do filme.
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Achou o cartão da seguradora e discou. Preciso de assistência. É, perdi a chave do carro. Não, não foi assalto, aqui é seguro. Estou no Centro Cívico, só vejo gente fina. Corredores de tênis Saucony. Mães e suas crianças. Cachorro labrador. Lá do interior de Goiás, a voz perguntou:
-Entendi. A cidade é Centro Cívico, Paraná. E a rua?
-Não, a cidade é Curitiba, praça Nossa Senhora da Salete.
O operador prometeu mandar o socorro nos próximos minutos.
Uma hora depois, completamente gelado, viu um homem chegar de moto. Magro, barba por fazer, só a camisa com o nome da empresa sugeria que não era o ladrão de carros. Da caixa de ferramentas saiu um pé-de-cabra. Em dois minutos afastou o vidro, introduziu um arame grosso e puxou a tranca. Num zas a porta aberta, o alarme desligado. Coisa de profissional.
Depressa ele vestiu o agasalho que todo curitibano de juízo leva no porta mala. Sentiu-se aquecido e generoso. Esse cara merece uma cerveja. Não, duas. Assinou um protocolo, agradeceu o trabalho e anotou mentalmente a caminho de casa: preciso de um pé-de-cabra. E talvez um maçarico. Enquanto tomava um banho bem quente pensou na maneira de carregar as ferramentas do lado de fora. Sob o porta mala numa gavetinha secreta. Ou debaixo do paralama. Simples e lógico como todos os grandes inventos. Será difícil patentear?
Já de roupa, fez um chá com gengibre e sentou em frente à TV. Daqui a pouco ia sair para o show da Lais Mann. Então, dormiu feliz.
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(*) – Nome emprestado ao grande romance que o Cony escreveu em 1972.