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O momento recomenda ler Conspiracy Theory (Simon & Schuster, 2014).
Cass R. Sunstein, um dos mais próximos conselheiros de Barack Obama na Casa Branca, oferece fantástica contribuição à psicologia coletiva, o verbo misfear.
Significa sentir medo da coisa errada. É o grande problema da sociedade moderna. Misfearing descreve a tendência humana de seguir o instinto e não a razão.
A médica Lisa Rosenbaum conta das entrevistas com clientes de uma clínica feminina. Fazia a mesma pergunta a todas as pacientes. “Qual é na sua opinião a maior causa de morte entre as mulheres?”
Uma senhora de meia idade, pressão alta e colesterol na estratosfera, respondeu: “Sei que a resposta certa é doença do coração mas assim mesmo vou dizer câncer de mama”.
Décadas de pesquisa não explicam o medo errado. Tememos ataques terroristas e homicídios, que dificilmente vão nos atingir. Não tememos derrame, infarto, diabetes, que todo dia abatem um conhecido.
Em política, os medos errados vão contra o fantasma da esquerda e o corrupto-que-recebe-propina.
São reforçados pela TV que mostra maços R$100 na cueca, no fundo falso da mala, na mochila do político malandro. Os fatos aconselham a ter mais medo de corporações que sonegam fortunas e têm dinheiro em paraíso fiscal.
É crime de lesa-pátria. Tira recursos do orçamento da saúde e da educação. Mas todos se compadecem quando o Ministro do Planejamento cita alguns números do orçamento e lamenta: “Só nos resta vender os bens que temos.”
Os valores denunciados nos crimes de corrupção são oito vezes menores que os da sonegação, evicção e evasão fiscal.
Por que ninguém fica indignado? Porque a cobertura é seletiva. A mídia registra com ênfase os malfeitos dos propineiros e esconde a grande bandidagem das empresas e bancos, em parte denunciada na Operação Zelotes.
Para a Lava Jato, dez minutos de Jornal Nacional; para a Zelotes, Panama Papers, HSBC Leaks, uma nota no pé da página.
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P.S. – Pior que sentir medo da coisa errada é não sentir medo da coisa certa. É o que faz personagem do filme A Nau dos Insensatos (Ship of Fools, Stanley Kramer, 1965) com Vivien Leigh, Simone Signoret, José Ferrer, Lee Marvin, Oskar Werner, José Greco e George Segal.
Oskar Werner interpreta o doutor Wilhelm Schumann, um judeu que, em 1933, não sentia medo de Hitler: “O que ele pode fazer? Matar seis milhões de nós?