Tchaikovski e a carne de vaca

.

 

gghghghg

Orchestra dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia, domingo, na Sala São Paulo. Mais sobre ela em www.santacecilia.it

.

 

O português é cheio de mistérios. De onde, por exemplo, vem a expressão carne-de-vaca, para designar uma coisa muito comum, que tem em toda esquina, que até aborrece de tanto que existe?

 

De Portugal? (*) De lá veio “voltar à vaca fria”.

 

Entre as carnes-de-vaca da música erudita está o concerto nº 1 de Tchaikovski para piano e orquestra. Composto em 1875, foi revisado duas vezes depois de receber críticas de Nikolai Rubinstein, o pianista escolhido por Tchaikovski.

 

E virou um sucesso. Foi gravado por Sviatoslav Richter em 1962 com Herbert von Karajan e a Sinfonica de Viena. É muito citada a gravação de Fritz Reiner com a Sinfônica de Chicago (1955). O grande Claudio Arrau fez duas gravações, a mais notável com Sir Colin Davis e a Sinfônica de Boston. Achei todas no YouTube.

 

Em 1958, no auge da guerra fria, Van Cliburn executou o concerto em Moscou e venceu a 1a. Competição Internacional de Tchaikovski. Em seguida, a gravação de Kirill Kondrashin foi o primeiro clássico a ganhar o Disco de Platina.

 

Outro momento notável:  Vladimir Horowitz executando a obra como parte do concerto para levantar fundos para a 2a Guerra Mundian, sob a regência de seu sogro Arturo Toscanini.Martha Argerich gravou o concerto em 1980 com Kirill Kondrashin regendo e mais tarde com Claudio Abbado e a Filarmonica de Berlin.

 

Mas a gravação que tenho na memória é de Oscar Levant – um pianista que não ocupa o primeiro lugar numa seleção mundial, mas que fez sucesso em filmes musicais da Metro. No filme The Barkleys of Broadway (Ciume, Sinal de Amor, MGM, 1949) ele executa o primeiro movimento do concerto e contracena com Fred Astaire e Ginger Rogers. Ao final, sob aplausos, ele diz: “Obrigado, obrigado, estou emocionado. O piano está emocionado. Tchaikovski está emocionado!”

 

Aqui em Curitiba, o concerto foi usado como prefixo musical de programas de música clássica da Guairacá e provavelmente da B-2. Aluizio Finzetto o diretor da rádio, mais tarde fundou a Rádio Estadual, que também rodava muito disco de Tchaikovski e marcou o momento mais inteligente do rádio paranaense.

 

Tudo isso para dizer que é preciso coragem para programar um concerto carne-de-vaca para o público da Sala São Paulo, como fez a Orquestra da Academia Nacional de Santa Cecília, regida por sir Antonio Pappano. A solista Beatrice Rana foi menina prodígio, mas se livrou do rótulo após tocar com maestros como Yannick-Nezel-Seguin, Fabio Luisi, Susanna Malkki nas melhores salas de concerto do mundo. Vai melhorar ainda mais, estudando com Arie Vardi.

 

O público aplaudiu de pé, por mais de dez minutos. Eu fiquei emocionado. O piano ficou emocionado. Tchaikovski ficou emocionado.

 

***

 

(*) Está nas Dicas do G1:

Voltar à vaca fria

É retomar um assunto.

A peça de teatro “A Farsa do Advogado Pathelin” apareceu no teatro francês do século XV. Dela virou bordão muito popular uma expressão usada por um dos personagens, um juiz, quando, no julgamento de um roubo de carneiros, o advogado de um ladrão começava a fazer longas digressões. Dizia o juiz: “Sus! Revenons à ces moutons!” (Vamos! Retornemos a esses carneiros!).

A expressão veio parar em Portugal e foi adaptada ao então costume lusitano de servir, antes dos pratos quentes, uma entrada de carne de vaca fria, à qual ninguém voltava.

 

 

Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *