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Com o dólar a 4, há cada vez menos brasileiros em Nova York.
Se você sobreviveu ao câmbio cruel e está em NYC disposto a investir numa aventura artística, os críticos recomendam assistir a Hamilton (roteiro, música e letras de Lin-Manuel Miranda, Teatro Richard Rodgers) o musical da Broadway sobre Alexander Hamilton, um dos pais da pátria americana.
O rosto do herói está na nota de 10 dólares, símbolo autêntico da revolução, ao lado de Aaron Burr. Nasceu nas Índias Ocidentais Britânicas, migrou para Nova York com 18 anos, um dos que foram tentar a vida no Novo Mundo e teve sucesso. Como? Em ritmo de rap vem a resposta: “The ten dolar founding father/ without a father/ got a little farther/ by working a lot harder,/ by being a lot smarther,/ by being a self-starter“. Deu pra entender, né? O herói fundador, o bastardo da nota de 10 dólares, foi mais longe porque trabalhou duro, porque foi mais esperto e porque era um cara de iniciativa.
Gordon S. Wood, da New York Books Review (Federalists on Broadway) garante que a peça é diferente de outros musicais históricos como Les Miserables, Jesus Christ Superstar ou mesmo 1776, que conta como foi redigida a Declaração de Independência. Não apenas porque usa a língua do rap e do hip-hop, mas porque o elenco é propositalmente formado quase inteiramente por atores negros e latinos. Assim autor manda seu recado: a história da fundação dos Estados Unidos pertence a todos os americanos, homens e mulheres, de todos os tempos e de todos os lugares, não apenas à elite masculina formada pelos brancos, anglo-saxões e protestantes do século XVIII.
Como não há origem étnica comum, o que conserva a unidade do povo americano e o transforma em nação são os ideais de liberdade, igualdade e democracia que inspiraram a Revolução de 1776, o mais importante evento da história americana, onde Hamilton foi destacado líder. Os americanos sentem necessidade – principalmente diante da crise de identidade que vivem neste momento – de atrair os imigrantes e todas as minorias para dentro do barco da história.
Será esperança vã? Mesmo sabendo que aqui um tucano ornamenta a nota de 10 reais, imagino que daqui a pouco teremos alguém pensando em aprimorar os sambas-enredos da escola de samba e recontar a história do Brasil com samba de roda, moda sertaneja, frevo e lundus.
A matéria prima é igual.
Somos mistura de raças e culturas, de índios que vieram há 30 mil anos, e de negros, brancos, asiáticos que chegaram a partir de 1500. Em comum, o necessidade de criar um novo sonho inspirador capaz de superar falta de fé, de insubordinar-se e descobrir nos inconfidentes e emboabas, nos farrapos, nos maragatos e picapaus, que democracia é feita de liberdade e igualdade.
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Vai assistir a Hamilton? Cuidado com a malandragem.
O NYTimes do dia 17 conta a história de Jason, um cara apaixonado por teatro que não conseguiu comprar ingresso para assistir ao musical.
Jason descobriu um cambista na esquina. Comprou dois ingressos por 600 dólares como presente de aniversário para a esposa. Você vai adorar o espetáculo, disse o vendedor.
O casal chegou ao lobby do Richard Rodgers Theater pontualmente, no dia 2 de janeiro. Esperaram até que todos os portadores de ingresso sentassem. Não havia lugar para eles. A esposa começou a chorar. Jason descobriu que não tinha em mãos o ingresso mais quente da cidade. Era falso, como acontece frequentemente no Brasil, em teatros, shows de rock e estádios de futebol..
Hamilton está vendido para o ano inteiro. Há sites oferecendo ingressos de segunda mão – resales – cuja autenticidade só será verificada no momento em que o show começar e você, graças a Deus, estiver sentado na poltrona que comprou.
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