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Os jornais estão cheios de previsões. Prevê-se que Marina agora é um foguete cuja trajetória só termina no Palácio do Planalto. Chegará sem aliados, livre dos compromissos sórdidos que os políticos tradicionais costumam assumir no caminho. A Folha informa que ela poderá chamar bons brasileiros para o ministério, gente como Eduardo Suplici, Cristóvão Buarque, José Serra.
Será uma reedição melhorada do governo Itamar Franco. Honesto, despido de interesses, capaz de promover a transição rumo àquele Brasil de que falam as escrituras quando se referem à Terra Prometida.
A pergunta é: como evitar que obstáculos inesperados atrapalhem essa jornada até agora bem sucedida? A história pode ensinar alguma coisa a Marina e seus companheiros.
No ano 64 Antes de Cristo, o grande advogado e orador romano Marcus Tullius Cicero concorreu ao consulado, o mais alto cargo da república. Marcus tinha 42 anos, era brilhante e bem sucedido, mas o fato de não pertencer à nobreza normalmente eliminaria suas chances de vencer. Os outros candidatos, naquele ano, entretanto, eram tão sem graça que ele tinha condições de ganhar – ao menos é o que pensava seu irmão mais moço Quintus. Bastava fazer uma boa campanha.
Na época, qualquer romano adulto, do sexo masculino, podia se candidatar, mas a votação era realizada em um complicado sistema de grupos. Os mais ricos detinham poder eleitoral desproporcionalmente maior. O patrocínio social e político deles era crucial e as campanhas eram marcadas por alguma corrupção e muita violência. A eleição em si era razoavelmente organizada e limpa se comparada, por exemplo, com a do Brasil.
O Commentariolum Petitionis ou Pequeno Manual Eleitoral pretende ser um memorando escrito por Quintus para Marcus sugerindo como proceder. Alguns estudiosos acham que é apenas isso. Outros pensam que é de algum outro escritor. De qualquer forma, está claro que o autor entendia de política romana daquela época.
A revista Foreign Affairs publicou alguns trechos do livrinho (apenas 99 páginas) com comentários de Philip Freeman, com observações sobre sua atualidade pelo marqueteiro James Carville.
O que melhor se aplica ao caso atual é justamente o número um: “Procure ganhar a boa vontade dos grupos dominantes. É essencial que saibam que você depois de eleito será muito útil para eles.”
Outro conselho do livrinho: “Mantenha viva a esperança”. O povo não vota contra alguém. Vota a favor de quem consiga transmitir otimismo no futuro. Que tal “50 anos em 5”?
Foi o que fez Juscelino Kubitschek em 1955. Apontou sua caravana para o planalto central e seguiu em frente, falando e sorrindo. Obedeceu outra regra do marqueteiro romano: assegure o apoio de seus amigos e com eles vá buscar o voto do povo em geral.
Como se ganha e conserva o apoio dos companheiros? Através de boas ações e também de favores, de conversa e do charme natural.
Foi também o que fez Obama ao dizer “Yes, We Can”. Insuflou disposição em um grupo normalmente à margem das decisões do Partido Democratico.(As estruturas tradicionais estavam sob o controle dos Clinton.” Falou com os pequenos e deles aceitou contribuições de 20 dólares, em vez de procurar os milhões dos grandes doadores tradicionais. E prometeu mudança, que é outra palavra para esperança.
O marqueteiro romano identificou um terceiro grupo de apoiadores muito parecido com os de Marina – aqueles que demonstram simpatia porque acreditam ter uma identificação pessoal com o candidato. São os 19 milhões de votos da última eleição, gente sem partido, que não gosta de políticos e quer acima de tudo acabar com a corrupção.
Porque a verdade é essa: Marina representa a honestidade. Com ela teremos o governo dos bons. Não é socialista nem liberal, nem burguesa, nem proletária. Não é um Lacerda, nem um Brizola. É simpesmente, suavemente, honesta.
Concordo com a Dilma e Aecio, Marina tem tudo para virar um Janio Quadros de saias. E constato com horror que é exatamente uma figura assim que uma grande parte do eleitorado está querendo.
Janio, objetará o leitor, era um enganador, o homem que polvilhava caspa no paletó, que se escondia num buteco de Santos para tomar seus porres. O eleitor desesperado dirá que tudo isso era mentira, conspiração contra aquele homem justo.
Porque, vamos convir, o eleitor está desesperado. A política transformou-se numa fosse séptica, uma concentração malcheirosa de falsidades, armações, violência e maldade. Quem percorre os gabinetes de Brasília – do legislativo, do judiciário ou do executivo – encontra na maioria deles só arrogância, cobiça e egoísmo.
Enojado desse mundo, o eleitor, de lanterna na mão, procura uma pessoa honesta a quem dar seu voto.