logo
Governo e política, crime e segurança, arte, escola, dinheiro e principalmente gente da cidade sem portas
post

Pouso temerário em CWB, a capital mais acromática do Brasil

.

hjhjhjh Cabina do Douglas DC 3

.

Que voar é (era?) elegante ninguém discute.

Que a cor cinza é elegante ninguém duvida.

E ninguém questiona que o curitibano dos anos 1950 era um cara alinhado. Para marcar sua imagem, vestia cinza clássico, terno cortado no Paulo Japonês.

Usava paletó dois botões, sapato de cadarço e meias pretas, no bolso do paletó lenço azul marinho de poá.  E gravata de jacquard preta sobre aquela camisa azul acinzentado, comprada em Roma,mas não em qualquer lojinha de Roma, na Via Condotti. Discretamente permitia que as pessoas soubessem de sua passagem pelo Caffé Grecco onde confirmara a soberba qualidade do cannolo siciliano. Era esnobe, um bestalhão? Não, apenas um curitibano tentando vencer no mundo.

Por isso, voava, ao contrário dos mais velhos, que preferiam cruzeiros em navios de luxo. Ou do Janio Quadros, que viajava na cabina de um cargueiro italiano.

*

Curitiba sempre foi cinza e elegante. Muita gente daqui conhecia o sabor inigualável do cannolo do Caffé Grecco. Capital mais acromática do Brasil, disputava a liderança mundial da categoria com Edimburgo e Boston. Em cidades como a nossa, jamais alguém foi sensorialmente agredido por um por do sol vermelho amaranto, tipo Caribe; muito menos pelo amarelo intenso de certa lua cheia. Os stratus nos protegeram dessa beleza viciante. E foram responsáveis pela palidez sensual de belas moças de saia plissada. Stratus e também nimbustratus defenderam o curitibano do carcinoma basocelular, filtraram a luz e salpicaram de garoa as rosas verdes que Emiliano Perneta plantava na rua Aquidaban.  Até hoje, quando cai a tarde, as pedras da São Francisco cintilam na neblina como o olho azul da poeta Helena Kolody, um brilho tão bonito que toda a tristeza se evanesce.

*

Voar – é preciso insistir – era chic. Gente bonita, mala de grife, brinde de boas vindas com champanhe. Menos na noite cinza chumbo de Curitiba, a chuva e o vento, quando o ronco rouco do Douglas DC3 avisou que tentaria o impossível – aterrissar no Afonso Pena naquelas condições. Esse Douglas DC-3 foi o burro de carga da aviação comercial brasileira. Dez milhões transportou de um campo de aviação a outro, pista de cascalho, de grama, de lama, óleo pingando do cárter, rolo de arame para reforçar a porta que teimava de abrir em pleno voo. O avião do curitibano de terno cinza,  com 21 passageiros a bordo, era da Transportes Aéreos Limitada – TAL, fundada em 1947 que logo teve seu nome mudado para TAC, Transportes Aéreos Catarinenses. Porque não era a tal.

*

No meio da cerração o milagre: o piloto viu as luzinhas e as faixas brancas largas e paralelas – a cabeceira da pista! Com muita convicção gingou prá cá, gingou prá lá, foi perdendo altitude e tocou o solo. Horas depois, no quentinho do apartamento do Hotel Mariluz, chorava como criança entre os seios da aeromoça.

.

 

 

 

Posted on 7th maio 2020 in Sem categoria  •  No comments yet

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *