SEM TEMPO PARA VIVER
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Ken Loach contra a uberização do trabalhador.
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“Sorry we missed you”, em português “Você não estava aqui”, o novo filme de Ken Loach, socialista inglês de 84 anos, mestre do cinema político, é um drama sobre a globalização e suas consequências para o mercado de trabalho. Conta a história de um trabalhador uberizado – alguém que perdeu o direito ao contrato de trabalho, a férias, à semana de 40 horas, ao hospital, à aposentadoria.
Ricky Turner (Kris Hitchen) passou a vida inteira no chão de fábrica. Agora, desempregado, tenta se defender como autônomo, conduzindo sua própria van e fazendo entregas em Newcastle, norte da Inglaterra, para uma firma que faz deliveries para empresas como Amazon, Zara e Nike. O título refere-se ao papel deixado na porta quando a entrega requer uma assinatura e você não está em casa.
A van que dirige é financiada e foi preciso uma briga com a esposa Abby (Debbie Honeywood) para que ela concordasse em vender o carro da família para dar a entrada de 1.200 libras. Abby é uma assistente social que também vive de trabalho terceirizado. Dependia do veículo para chegar à casa dos deficientes, idosos e enfermos que atende diariamente.
A falta de tempo prejudica a relação com os filhos Seb (Rhys Stone), adolescente punk e Lisa, de 11 anos, (Katie Proctor). A ausência logo se transforma em problemas na escola e na delegacia de polícia.
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A história da família de trabalhadores sem tempo para viver (e ele sem tempo sequer para urinar) tem um nome: gig economy, referência ao trabalho eventual de músicos, encanadores, entregadores de pizza, redatores freelances, médicos plantonistas. O filme de Loach é um apelo para que os governos cuidem desses trabalhadores sem qualquer proteção legal.
Se o rapaz que pedala uma bicicleta para a Rappi for atropelado, quem pagará o hospital, agora que a reforma da Previdência está acabando com os recursos do SUS? Para onde correrá a garota do call center se ficar grávida? E quando haverá uma regra que permita ao motorista da Uber dormir sete horas por noite, descansar um dia por semana?
O motorista de aplicativo é considerado parceiro. “Você não trabalha para nós – diz o gerente Maloney (Ross Brewster) para Ricky – você trabalha conosco”. Entre ele e o dono do aplicativo existem obrigações mútuas ainda não disciplinadas por lei. A omissão gera vários tipos de fraude – a escravidão do algoritmo, a sonegação de impostos e consequente ameaça ao equilíbrio do modelo construído ao longo dos últimos cem anos. A Europa debate a Taylor Review, publicada na Inglaterra em 11 de julho de 2017, que propõe medidas legais para regular esse novo tipo de relação trabalhista nascido da tecnologia e da crise de Wall Street.
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Em entrevista a El Pais, Ken Loach explicou sua luta contra o trabalho precarizado: “A culpa não é da ciência de criou o algorítmo, é do governo complacente com a exploração. Meu objetivo é fazer filmes que desafiam o poder. Infelizmente, a maioria dos filmes a que assisto só reforçam o poder, reproduzem estereótipos, glorificam a riqueza. É preciso um cinema que desafie o poder de um modo radical.”
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