O verdadeiro fim do mundo
Em dezembro, este é o portal do fim do mundo
Disseram que o mundo ia se acabar.
Onde preparar o espírito para o momento anunciado? Escolho Santa Felicidade.
É sabido que Dante Alighieri inspirou-se neste bairro de imigrantes do Veneto para descrever o terceiro circulo do Inferno, o dos gulosos.
Por toda parte fotografo manifestações de glutonismo patológico. E gritos, gemidos, buzinas bestiais, caldeirões a levantar fervura, a cruel risada de Malacoda, o que tem rabo e é do mal.
Estou no lugar certo, não resta a menor dúvida: o fim do mundo – ou pelo menos o começo do fim do mundo – será aqui e em nenhuma outra parte de Curitiba.
Na mesa ao lado, um grupo de mulheres se prepara para a Travessia. Com certeza conhecem que estão condenadas porque pedem muitos martinis, vodca e vinho da casa. E misturam tudo.
Sob efeito dos espíritos gritam alto, riem do pobres colegas da repartição (ou será escritório?), debocham do chefe distante e da ridícula mulher que o cara foi arranjar não se sabe onde.
Lá fora Caronte, o barqueiro do Inferno, espera por clientes disfarçado de taxista.
Todo dia ele cruza várias vezes a Ponte do Aquironte, que, sob o nome de Rio Cascatinha, passa fétido ao lado do restaurante do mesmo nome antes de desaguar no Barigui.
Elas continuam bebendo vodca e vinho da casa, também denominado Vinagrão de Santa Felicidade. Agora, tontinhas, sacam seus cartões de crédito para pagar a conta (que não conferem) e ignoram os taxis.
-Se beber, dirija! – berra uma gordinha.
Com compreensível dificuldade acha a chave, liga o motor, dá uma aceleradinha. Aponta o bico do carro para a Manoel Ribas e vai.
O pega na madrugada será emocionante.
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