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Doutores e malandrinhos na Boca dos anos 60

Boca Maldita Boca Maldita, dezembro de 2012.

 

O manual de jornalismo recomenda: seja breve. Atenha-se aos fatos.

O desafio é confirmar os fatos. Será que é verdade mesmo? Aqui há dez fofoqueiros para cada cidadão veraz.

No começa da década de 60, durante dois anos, escrevi com o entusiasmo dos estreantes, uma coluna sobre política e economia na página 2 da edição paranaense da Ultima Hora. As notas – 14 ou 15 todo o dia – eram obtidas na Assembleia Legislativa, na Câmara Municipal, em alguns gabinetes do governo e em escritórios.

Mas o tempero, o jeito sem cerimônia, o ethos da cidade, vinha de um trecho da Avenida Luiz Xavier, ex-João Pessoa, que começava após a esquina da Ermelino de Leão, onde ficava o Café Ouro Verde, e terminava 60 metros adiante, onde funcionou o Cine Ópera.

Na hora do almoço e no fim do dia as fontes surgiam para o cafezinho, o cigarro e o papo. Eram políticos, amigos dos políticos, inimigos dos políticos, aspones e boateiros compulsivos. Apareciam também advogados, juízes, promotores públicos, que formavam rodas separadas. E profissionais liberais de outras áreas. E vendedores. E picaretas – malandrinhos pálidos à procura da oportunidade de intermediar algum negócio e levar comissão.

Circulando de roda em roda, olho aflito no horário de fechamento da coluna, entre duas e três da tarde, eu tentava descobrir o que havia de real em cada história. Confirmava diariamente que o mundo é feito de maledicentes, incensadores, levianos – e pela minoria que, por algum motivo inconfessável, resolve contar a verdade.

Quando aparecia uma dessas joias raras às vezes era necessário omitir a fonte. E surgiu a fórmula: “Ontem, na Boca Maldita, um cidadão informava que…”

Por que Boca Maldita? Batismo oficial não houve. Ouvi o apelido do Anfrisio Siqueira, outros o escutaram do professor da UFPR  Abrão Fucz. Ou do cartorário José Nocite.

Não sei se isso é importante.

Importante é constatar que, durante uns vinte anos, a Boca foi ágora, muro de lamentações, pátio de conflitos, onde se exibiam sem pudor as contradições da cidade.  E jornalismo vive do conflito, como a democracia alimenta-se da contradição.

Posted on 14th dezembro 2012 in Sem categoria  •  No comments yet

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