O interesse nacional e o interesse do leitor
Evandro Carlos de Andrade (1931 – 2001) foi diretor da Central Globo de Jornalismo e fundador do canal de notícias GloboNews..
Está certo que O Globo pediu desculpas por seu apoio ao golpe de 1964.
Foi um ato de coragem. Boa parte dos leitores do jornal ainda chama o golpe de revolução.
Agora talvez seja uma boa hora para O Globo começar a contar o que mais ele sabe sobre os anos negros. O que deixou de publicar, devido à censura ou à autocensura. E como o governo botava pressão sobre os jornais para que colaborassem.
Vamos à História: em 1979, a Secretaria de Comunicação Social do governo convocou o I Seminário do Sistema de Comunicação Social do Poder Executivo. O sistema era integrado pelas assessorias de comunicação social do governo federal, de estados e municípios. Havia jornalistas produzindo propaganda oficial em ministérios, autarquias, empresas de economia mista e sociedades anônimas, como a Petrobrás, onde o Estado é o maior acionista.
Foram convidados representantes dos maiores jornais do país e parlamentares ligados ao governo, como o senador Jarbas Passarinho, que logo pediu a palavra e, com aquele estilo militar, acusou a imprensa de sabotar os esforços de comunicação do governo revolucionário. As boas notícias não eram divulgadas e as más ganhavam cobertura barulhenta.
O jornalista Evandro Carlos de Andrade, diretor de O Globo, não concordou com a acusação.
Está nos anais do seminário: “Toda informação que nos chega de área oficial – disse Evandro – nós divulgamos, desde que seja relevante, tenha interesse jornalístico. (…) É fácil fazer-se a medição do espaço que os jornais dedicam ao noticiário oriundo do governo e aos de outra natureza. Isso vai revelar que, ao contrário do que ocorre em outros países, dão uma área de espaço fantástica às iniciativas do governo. Publicam-se as íntegras dos discursos, dos decretos.”
Adiante, os anais registram uma confissão de autocensura:
“…há cerca de 15 dias, chegou-nos uma informação relativa a um procedimento oficial, que é verdadeiro e até legítimo, mas cuja divulgação – obviamente não vou poder dizer o que era – no nosso entender, prejudicaria o interesse nacional. E por essa razão renunciamos à publicação de uma notícia que era incontestavelmente verdadeira e que era legítimo o procedimento do governo, mas no nosso entender a divulgação era lesiva ao interesse nacional.”
Da para entender como funcionava a imprensa naqueles anos?
Antes de publicar uma informação O Globo avaliava se ela era “de interesse nacional” – e não do interesse do leitor. Uma antologia das noticias espontaneamente omitidas daria um senhor bestseller.
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