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Jaime Lerner e os planeadores

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nnmnmn Foto de José Kalkbrenner.

 

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I

 

Antes, anos 1920, a Nova Curitiba com as paralelas leste-oeste Visconde de Guarapuava, Sete de Setembro, Silva Jardim, Iguaçu, Getulio Vargas. Prefeito Moreira Garcez.

Em 1941, o Plano Agache. Noticia nacional, porque monsieur Agache era famoso por seus planos anteriores, em São Paulo e Rio. Um dos desafios do urbanista era acabar com os engarrafamentos na praça Tiradentes. Imagino uma manchete de jornal: Vamos acabar com o engarrafamento, diz M. Agache! Pas de embouteillage! Assim, com ponto de exclamação.

1953. Centenário do Paraná. O Estado é rico. O governador Bento Munhoz da Rocha inicia as obras do Centro Cívico, projeto de arquitetos paranaenses. Começa a construção do Teatro Guaira. Da Biblioteca Pública do Paraná. O traço do modernismo chega com a Exposição Internacional do Café.

1954. A execução do Plano Diretor é interrompida. O prefeito Ney Braga encaminha mensagem à Câmara Municipal revelando que não há dinheiro para as desapropriações. Como consolo, inaugura a Rodoviária da João Negrão e o Mercado Municipal.

 

II

 

Vestígios do Plano Agache. O Centro Cívico, as galerias na Rua 15, entre Doutor Muricy e Barão do Rio Branco, a avenida Nossa Senhora da Luz, na parte leste da cidade.

Década de 1960. O Plano Diretor. Papel fundamental de Ivo Arzua, prefeito eleito em 1966. Reuniu a inteligentzia, promoveu debates. Os interlocutores eram a elite da cidade e professores da Faculdade de Arquitetura da UFPR, recém-criada. Novos professores chegavam de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Mudou muita coisa na cidade, começando pela construção civil. Projetos do Vilanova Artigas. A inauguração do Edifício Canadá, na Comendador Araujo. Licitação do Santa Mônica Clube de Campo, vitória de Forte Neto&Gandolfi. É a entrada da arquitetura brutalista, de Le Corbusier, em Curitiba. José Maria Gandolfi, falecido dia 19, e seu irmão Roberto eram alunos de Paulo Mendes da Rocha, que morreu no último dia 23, na Faculdade de Arquitetura da Mackensie.  Dias de luto: entre 19 e 29 a arquitetura brasileira perde três nomes fundamentais.

 

III

 

  1. Haroldo Leon Peres é nomeado governador.

Famoso diálogo entre Médici com Ney Braga, Aciolly Filho e outros políticos paranaenses.

MEDICI – Nosso escolhido é o deputado Haroldo Sanford.

ACIOLLY – Esse deputado é do Ceará, general. Não seria o Haroldo Leon Peres?

Meses depois, Peres é acusado de chantagear o empresário Cecilio do Rego Almeida, que apresenta uma gravação da conversa, feita na praia de Copacabana. Está na revista Veja, que sumiu das bancas. Denúncias de corrupção se multiplicam. Chega ao Aeroporto Afonso Pena um coronel da Presidência da República para resolver o problema. Na madrugada, o governador desaparece de Curitiba levando apenas uma mala, que alguns garantiam estar pesada de tantas notas de dólar. Deixa a carta de renúncia, de uma linha.

O prefeito Jaime Lerner, nomeado por Peres, precisa seguir administrando a cidade, mas não tem mais o apoio ao Palácio Iguaçu. Reúne o grupo de arquitetos, urbanistas e advogados para avaliar o que fazer. A decisão é colocar imediatamente em prática o Plano Diretor.

 

IV

 

O restaurante Peking ficava no começo da João Gualberto, onde ergueu-se um prédio desajeitado. No andar de cima havia uma grande mesa redonda, de uns doze lugares. Jaime e auxiliares almoçavam juntos quase sempre. Nireu Teixeira, Dario Lopes dos Santos, Franchete Rischbieter, Dulcia Auriquio, Rafael Deli, Groff, Ludomir Ficinski,  Eduardo Rocha Virmmond.

E planeavam, como dizia o Sergio Mercer, autor em parceria com Ernani Buchman, de famoso chachachá do IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) com o refrão: “Planea, planea, planea/ só planea”. É verdade. Nos arquivos do instituto você vislumbra o futuro de Curitiba – inclusive o futuro que foi planejado e não se realizará, como é o caso do Plano Preliminar do Metrô, concluído em 1969. Trabalho de Rafael Dely, Domingos Bongestabs, Augusto Fayet e Oswaldo Navarro.

Voltamos ao Plano Diretor de Curitiba. Ele não está pronto. Falta definir muita coisa. Melhor, a oposição terá menos para criticar, responde Jaime, não o urbanista, o marqueteiro, cuja competência paradoxalmente ia aumentar com o fim da ditadura e a derrota na eleição municipal de 1985.  Uma eleição é ganha nas últimas 24 horas, ele descobriu da maneira mais dolorosa possível – perdendo por poucos votos.

 

V

 

O resto é história. Em certa madrugada a Rua 15 foi fechada aos veículos e ocupada por máquina e operários. Após o fim de semana, amanheceu Rua das Flores, só para pedestres. Um anúncio da Prefeitura dizia: “A cidade é do homem, não da máquina”.

Era uma reapropriação do velho centro pelo curitibano que andava a pé, de alpargata ou tênis, talvez um sapato Samello, sem pressa de ir embora porque a conversa estava boa. O mundo começou a olhar de um jeito diferente para Curitiba. Como essa cidade consegue se reinventar de maneira tão brilhante?

A operação não agradou aos lojistas, que tinham medo de perder clientes. A moda era estacionar o Ford Thunderbolt ou Buick Electra em frente da loja, entrar para escolher um sapato ou gravata e depois atravessar a rua para conversar no Senadinho. No fim de semana, o cortejo de carros fluía lentamente pela principal rua da cidade. A elite gostava. E uma parte da elite estava no Tribunal de Justiça, pronta para julgar os mandados de segurança dos comerciantes.

Ninguém falava em batalha de narrativas. Ainda não era moda. Mas houve uma batalha de narrativas entre os que contavam a história da Curitiba do automóvel e os que anunciavam o advento da bela Curitiba dos pedestres.

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Posted on 27th maio 2021 in Sem categoria  •  No comments yet

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