DONA EMA

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Por causa de dona Ema a fila do supermercado desobedece a regra dos dois metros de afastamento. Quer ouvir as queixas da empregada que não aguenta mais a patroa de 94 anos.

-Ela nem tá gagá nem nada. É ruim mesmo essa velha.

Máscara no queixo, a moça se queixa que todo dia é obrigada a fazer compra. A patroa não dispensa fruta fresca, mas nunca está satisfeita.

-Levo maçã ela reclama que está passada. No outro dia fala que a maçã ainda está verde e vai fazer mal para o estômago. Nunca ouvi um elogiozinho dessa mulher, ainda tô lá porque preciso.

Uma senhora concorda: é difícil satisfazer os velhos presos em casa.

-Difícil não, é impossível. Nem Jesus Cristo. Nem a sagrada família inteira. Ela não ouve, tá sempre de mal com o mundo. Se um dia acerto a fruta ela lembra da semana passada, do mamão machucado, da banana que amarrava na boca de tão verde.

Respira fundo.

-Às vezes é por causa das compras, às vezes pelo que não foi comprado. Quer feijão vermelho quando não tem. Se arranjo um pouco no mercadinho de Pinhais perto de casa ela reclama que está velho carunchado.

-Tem gente que é assim…

-Como ela, não. Sempre descobre uma coisa nova para botar defeito. E quando não descobre sabe o que ela faz?

-O que ela faz?

-Duvida da gente. Diz que queria ter uma balança a carne não está pesando o que está escrito no papel. Aquela voz esganiçada: “Imagine que aqui tem 800 gramas, não tem nem meio quilo…”

-Isso já é maldade…

-Coisa de megera. Olhou pra mim e falou: “Olha, faz tempo que não conto os sabonetes, mas o listerine sinto que está faltando”.

-E o que você disse?

-Ah, não aguentei. Disse bem assim: “Olha aqui, dona Ema, dos sabonetes não sei a conta, mas do listerine a senhora tá mentindo!”

-E ela?

-Começou a esbravejar não sei o quê, que ia perguntar pro filho, que nunca aparece. Mas eu disse: “Pergunta pro filho, se ele aparecer, se banguela usa listerine.!

-Você não tem dentes?

-Tirei todos, um vereador pagou a dentadura.

Mostra orgulhosa a dentadura para a fila, agora com zero distanciamento social.

-Contei que lavo com vinagre branco destilado. Trago de casa, viu, dona Ema? 15 minutos de molho, tá branquinho e cheiroso, viu dona Ema?

A fila está a ponto de aplaudir. Ela muda de tom:

-E não tenho culpa, veja bem, não tenho culpa se a velha resolve tomar água na caneca da dentadura.

Vira para a vizinha, ar debochado:

-Né?

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