Nei & Toninho: um roteiro para depois da pandemia

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O milagre cubano agora no Japão. (Foto Radio Havana)

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Imagine um imenso naufrágio. Entre os escombros, boia uma garrafa. Dentro dela a rota para uma ilha onde há água fresca da fonte, fruta-pão e sol.

Agora corte para a maltratada cidade de Havana na virada do milênio. De uma viela surgem “habaneros” famintos de dólares. “Puros? Chicas? PPG?” – sussurram no ouvido do turista.

Novo corte. Paisagem da pandemia do coronavirus. Das sombras emergem famílias divididas pelo Fla-Flu da baixa política, burocratas exibindo curvas de contaminação e casais a procura de advogado: descobriram no confinamento o quanto são inviáveis.

Pensei nesse roteiro de rotas e remédios para a pós-pandemia ao ler velha crônica do jornalista Nei Sroulevich em homenagem a Antonio Carlos Valente – meu primo empresário do setor turístico que inventou as Rotas da Reconciliação e foi dos primeiros a reconhecer os poderes do PPG vendido em Cuba.

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Antes de prosseguir, devo explicar que os dois, o Sroulevich, morto prematuramente em 2004, e o Valente, vivíssimo em seu isolamento no Rio de Janeiro, são essenciais para o momento que o Brasil vive.

Nei Sroulevich, jornalista e produtor de cinema no exílio, membro do Partidão e diretor da revista Manchete em Paris dos anos 1960. Um cara que parecia conhecer todo mundo e ajudava quem precisava. (O futuro diretor Cacá Diegues, estudante de cinema sem dinheiro, dormia clandestinamente no quarto dele no Hotel du Levant, no Quartier Latin. No chão, enrolado no edredon e no lençol extra).

Nei e outros refugiados ilustres (Fernando Henrique Cardoso, Darcy Ribeiro, Max da Costa Santos, Violeta Arraes, irmã de Miguel Arraes, Luiz Felipe Alencastro) se encontravam em certo restaurante do Marais para jantar e dividir um vinho. Por que a comida era sensacional? Não, porque era barata.

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Ao voltar, em 1974, dedicou muita energia ao Cinema Novo, onde sobravam projetos brilhantes e faltava dinheiro até para alugar uma câmera Arriflex de segunda mão e algumas horas de edição na moviola da produtora Lider.

Sroulevich foi o perfeito middleman, o cara que faz acontecer, o meio de campo capaz de sentar na frente do grande banqueiro – digamos José Luiz Magalhães Lins, o chefão do Banco Nacional de Minas Gerais – e convencê-lo das vantagens de financiar a juros de amigo a produção de A Queda (Rui Guerra, 1978), Getulio Vargas (Ana Carolina, 1974), Um Homem Célebre (Miguel Faria Jr, 1974) e Se Segura Malandro (Hugo Carvana, 1978). E de convencer Pierre Cardin a copatrocinar Joanna Francesa (1973), com Jeanne Moreau, direção de Cacá Diegues, música de Chico Buarque de Holanda e Roberto Menescal.

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Um dia, Nei se encontra com o empresário de turismo Antonio Carlos Valente e admira a nonchalance com que este fuma seu Cohiba Lancero (R$6,5 mil a caixa) e prescreve PPG aos que tentam baixar o colesterol e elevar a atividade sexual. O que impressiona no novo amigo é seu bem sucedido projeto das Rotas de Reconciliação, desenhadas sob medida – uma viagem inesquecível para cada casal à beira da separação.

Toninho é um harmonizador. Reaproxima os que se afastaram pela política. Viaja muito. De cada país traz uma experiência boa para ensinar. Viajar coloca as coisas em perspectiva. Nei pensa diferente: vê o mundo dominado pelos fazedores de guerra. “Querem nos suicidar”, adverte, invocando o embaixador Jório Dauster, maravilhoso papo, tradutor de J.D. Salinger e Nabokov.

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A Rota da Reconciliação não é remédio apenas para casais em crise. É uma poderosa metáfora da vida. Vale para grupos sociais, organizações políticas, para os que temem a Deus e para os que debocham da ciência; para os suicidas, para os que se vestem no Harrods, os veganos, os ensandecidos, bem como para os torcedores do Combate Barreirinha.

Imagino que para todos o Turismo Valente, passada a peste, será capaz de inventar rotas, sentidos para a vida, até refazer elos rompidos.

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O recado de Nei e Toninho é simples. Primeiro, é preciso entender esse terror. Uma tragédia cujos atores são o vírus mortífero, o empresário cúpido e o governo cúmplice. Segundo, reconhecer que a catástrofe sanitária, social e econômica vai destruir nosso modo de vida. Se um novo mundo for construído com sabedoria teremos a libertação do homem da idade do ouro que, segundo Octávio Paz, dorme em cada um de nós e só espera um sinal para despertar – o sinal do amor.

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P.S. – O site da Rádio Havana informa:

A partir de setembro, o medicamento cubano PPG – Policonasol será fabricado no Japão com matéria-prima procedente de Cuba. O remédio é utilizado para tratar doenças cerebrovasculares isquêmicas.

O produto tem como base a cera da cana-de-açúcar. Diminui o índice de colesterol ruim e tem um efeito antiagregante plaquetário e antioxidante. Além disso, é um suplemento que melhora a qualidade de vida dos idosos.

 

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