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Em 1502, o pintor holandês Hieronymus Bosch pintou The Conjurer (O Ilusionista). Mas o joguinho já existia no antigo Egito.
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O cenário é o centrão de Curitiba no coração do inverno. Úmida e cinzenta, a cidade venceu a neblina espessa da manhã e agora recebe uma garoa teimosa. A luz do poste que a prefeitura esqueceu de apagar brilha na calçada de pedras portuguesas elogiada pelo guia turístico e odiada pelas moças de salto agulha. (Até abaixo-assinado à Câmara de Vereadores elas fizeram exigindo calçamento digno de capital cosmopolita que somos.)
Bem em frente do Correio Velho, a poucos metros da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, um malandro rola sobre a mesa suas três tampinhas de alumínio. Magro, bigode fininho, paletó xadrez usadão, fala pouco e não diz nada. Com as tampinhas rápido e jeitoso, paga e recebe apostas que eram de um, passaram para dois, agora são de cinco reais.
O joguinho está esquentando. Três apostam, outros tantos espiam.
Quando para de mover as mãos, o malandro sorri com simpatia para parceirinho do outro lado da mesa, que aponta:
-Tá ali.
O bigodinho levanta a tampinha sem nada embaixo:
-Não. Tá aqui – mostra a outra com a bolinha embaixo e puxa para si as duas notas de cinco.
Se acertasse, o parceiro ganhava dez. Faltou sorte, o olho foi mais lento que a mão do outro.
Neste momento chega a cana. Não adianta correr mas eles correm – o de bigodinho, os parceirinhos faróis, o moleque que vigiava do lado errado. Os tiras nem se mexem. Mais tarde irão buscá-los na pensão, no tunguete ou no boteco.
-Você vem conosco – dizem para o jogador que ficou, pesadão, a cara franzida de espanto. No caminho fazem ele contar a vida: de onde é, se tem família, se tem vergonha de ser otário.
-Otário?
-Bobo. Trouxa, Loque embandeirado.
Um tira explica que o joguinho não era jogo, era golpe. As tampinhas rodavam na mesa mas a bolinha sempre sob a unha do malandro.
-Tua chance de ganhar era nenhuma, zero – explica o tira. -Trabalha com quê?
Ele conta o que faz, diz o nome da mulher, do filho e do neto.
-Corra de volta pra casa, compadre. Diz pra patroa que perdeu o dinheiro no ônibus. Mas se te encontro de novo no joguinho tu vai pro Código Penal. Quem joga é cúmplice do crime tá OK?
Antes quem mexia tampinhas era contraventor. Mas o Brasil foi ficando complicado e o joguinho virou crime de estelionato, descrito no art. 171 do Código Penal. O mundo também ficou complicado, tanto que o novo livro
Na Boca Maldita tem um velhinho metido a filósofo que gosta de comentar as notícias do dia. Ele fecha o jornal onde o otário mereceu matéria de duas colunas na página policial e fala:
-É bom ter gente na cadeia pelo crime de jogar tampinha, vender cigarro de maconha, roubar comida no supermercado.
Dá um suspiro:
-Ruim é que é tudo pobre.
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