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É um filme emocionante e tão denso que não cabia no tamanho atual de 1h53min. Muito menos em um post. O diretor Lenny Abrahamson e autora do romance original e do script Emma Donoghue tiveram que cortar cerca de 40 minutos na sala de edição.
A atriz Brie Larson vai levar o Oscar e o garoto Jacob Tremblay também ganharia o seu se Hollywood não lembrasse tão dolorosamente de casos de crianças-prodígio que não aguentaram o peso da fama e derreteram o talento nas drogas. O prêmio ficou para depois mas ninguém esquecerá os poderosos diálogos entre mãe e filho no quarto de 7,2 metros quadrados em que viveram cinco anos como cativos de Old Nick, o sequestrador cujo apelido em inglês é um dos sinônimos usados para designar o Diabo.
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A escritora irlandesa Emma Donoghue, até Room, era uma autora de romances históricos contemporâneos. O livro de 2010, multipremiado, que mereceu um gordo adiantamento da editora inglesa, aparentemente baseia-se na história de Josef Fritzl, que manteve a filha Elisabeth presa em um porão durante 24 anos. Repetidos estupros resultaram no nascimento de sete crianças – três delas mantidas presas com a mãe.
Houve acusações de cinismo e sensacionalismo, que Emma Donoghue rejeita. “Uma porção de gente dizia que eu escrevi um romance sinistro para ganhar dinheiro com a dor das vítimas. Não é isso, mas ninguém vai saber até ler meu livro”, ela disse a Sarah Crown, editora do blog mumsnet.com e antiga editora do Guardian.
“Dizer que Room é baseado no caso Fritzl é muito forte. Eu diria que o caso foi um gatilho para meu romance. O jornal informou que Felix Fritzl, filho de Elisabeth, com cinco anos, emergiu para um mundo sobre o qual ele não sabia nada. Isso colocou a ideia inicial na minha cabeça. A imagem daquela criança de olhos bem abertos contemplando o mundo como um marciano recém-chegado à Terra.”
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O problema foi encontrar a criança certa. O diretor conta que o orçamento estava fechado, o cast escolhido, a equipe de filmagem a postos para começar a trabalhar em quatro ou cinco meses. Faltava o garoto certo. Jacob Tremblay foi escolhido numa peneira de 40 candidatos. “Estava difícil achar o ator certo. Passei muitas noites sem dormir” diz Abrahamson.
O filme levanta muitas questões de psicologia. Um médico diz à mãe que foi sorte tirar Jack do cativeiro quanto ele ainda era “plástico”. No site da Apadev – Associação de Pais e Amigos de Deficientes Visuais há uma explicação: “A neuroplasticidade refere-se à capacidade do sistema nervoso de alterar algumas das propriedades morfológicas e funcionais em resposta a alterações do ambiente. Graças à plasticidade nervosa é que crianças que sofreram acidentes, às vezes gravíssimos, com perda de massa encefálica, déficits motores, visuais, de fala e audição, vão se recuperando gradativamente e podem chegar à idade adulta sem seqüelas.”
Outro ponto refere-se à PTSD – Post Traumatic Stress Disorder, doença do stress pos-traumático, que a autora do livro foi pesquisar em escolas de Medicina. Os especialistas definem a síndrome como “distúrbio da ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais. Esse quadro ocorre devido à pessoa ter sido vítima ou testemunha de atos violentos ou de situações traumáticas que representaram ameaça à sua vida ou à vida de terceiros. Quando ele se recorda do fato, revive o episódio como se estivesse ocorrendo naquele momento.”
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O resumo de tudo, o principal motivo para comprar um ingresso e assistir a Room, é mesmo Jacob Tremblay. E sua deliciosa fala sobre as experiência de quem emergiu aos cinco anos daquele quarto hermeticamente lacrado:
Estou no mundo há 37 horas. Já vi panquecas, e escadas, e aves, e janelas, e centenas de carros. E núvens, e polícia, e doutores, e avó e avô. Mas Ma diz que eles não vivem mais juntos em casa. Vovó vive agora com seu amigo Leo. E Vovô vive bem longe. Já vi pessoas com rostos diferentes, e tamanho, e cheiros, falando juntas. O mundo é como todos os planetas da TV ligados ao mesmo tempo, e eu não sei para onde olhar e ouvir. Há portas e mais portas. E atrás de todas as portas há outro dentro e outro fora. E as coisas acontecem, acontecem, ACONTECENDO. Nunca para. Mais, o mundo está sempre mudando de brilho e de calor. E há germens invisíveis voando por toda parte. Quando eu era pequeno, só conhecia coisas pequenas. Mas agora que tenho cinco conheço TUDO.