-Qual é a bronca?
Mais que uma pergunta, um aviso. Passava das seis horas da tarde e o delegado do 6º Distrito Policial de Curitiba estava irritado. Era homem de rotinas rígidas e aquela confusão depois da hora do expediente poderia ser fatal para qualquer um dos presentes – o escrivão, um agente, uma testemunha, o casal ali parado, em pé.
-Então, qual é a bronca?
-Ela me pegou de enxada, doutor – disse Waldemar W (sobrenome omitido, não precisa constranger a família, gente pacífica da Barreirinha).
Uma larga mancha de sangue no antebraço indicava o local da enxadada.
-Mulher muito braba, doutor. Por qualquer coisa avança.
-Estou vendo, o braço está feio. E por que a agressão?
-Diz que eu bebo.
-E você bebe?
-E se eu bebesse enxadada ia curar?
Estava na cara que Caslawa – esse o nome da mulher de Waldemar – era uma justiceira. O marido cheirava pinga.
-Foi isso, dona Ceslawa?
-Chegou bêbado e se fez de brabo.
-E você bateu nele?
A mulher fez que sim com a cabeça.
-E se ele beber de novo?
Com outro gesto de cabeça apontou para o marido. Como dizendo que, na opinião dela, ele não parecia capaz de uma reincidência.
A uma ordem, o escrivão começou a datilografar na Remington em velocidade fulminante. Muito rápido foi anotando o que o delegado ditava. A cabeça saltava para o lado quando puxava o carro de volta. Se errava escrevia digo. Entre vírgulas. Era um bom escrivão, em 15 minutos os depoimentos estavam lá.
-Assinem.
Todo mundo assinou, começando pelos dois brigões. Pegaram na caneta com cuidado e foram desenhando as letras devagar. A de Ceslawa bem mais bonita.
O doutor encerrou a conversa:
-Semana que vem o relatório vai pro juiz. Artigo 129, lesões corporais de natureza leve. Na minha opinião, o juiz pode achar que foi tentativa de homicídio. -Pausa, olhou bem para ela e concluiu macio: -E ai a senhora pode passar uns meses na cadeia.
Suspirou:
-Esperem a notificação.
Levantou-se e saiu. Os outros foram embora, menos o escrivão, que ia passar a noite no plantão.
Não deu duas horas e Waldemar voltou.
-O delegado está?
-Foi pra casa – respondeu o escrivão. – Outra bronca?
-Não. Eu pensei. Mulher boa a minha. Ficou braba e tava certa. Vim pedir para ela não ir para o juiz. A gente conversou, está tudo certo.
-Ela não vai mais brigar quando você chegar bêbado?
Valdemar deu uma risadinha.
-Ela nunca mais vai mais me pegar de enxada.
-Como você garante isso?
-O vizinho vai guardar ela no depósito.
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(Saiu na Ultima Hora de 24/9/1962, coluna Coisas e Gente, autor Adherbal Fortes Jr.)