.
.
.
Cuidado, Coxa! Pessimismo pesa – e se pesar um pouquinho mais as arquibancadas do Couto Pereira podem se esboroar como o templo de Dagon.
Perder não é desculpa para pessimismo. É motivo para consertar esse time que não acerta passe, perde gol feito, esqueceu a garra.
Claro que eu torcedor tenho um buraco no peito. Ele doi. Mas não vou sofrer antecipadamente a gozação do meu amigo atleticano, nem enterrar a cabeça na areia como avestruz.
Vou vencer a síndrome das derrotas. Entender que, na primeira vez, o adversário ganhou porque era melhor. Então um torcedor berrou, irado: “Estamos perdidos, esse timinho não ganha de ninguém!”. Todo mundo concordou sem perceber que esse Brasileirão está cheio de timinhos, nunca houve tantos cabeças de bagre na primeira divisão.
No jogo seguinte, o Coxa perdeu para ele mesmo.
Psicólogos liderados por Robert B. Cialdini realizaram estudo pioneiro em que foi descoberta uma tendência maior de estudantes torcedores de times universitários de futebol americano de portar camisas e materiais do time para o qual torcem após uma vitória do que após uma derrota ou empate. Após vitórias, os estudantes também usam mais o pronome “nós” ao referir-se ao time, como se estivessem tornando-se parte do grupo. Entende-se esse fenômeno, denominado “banhar-se na glória refletida” (basking in reflected glory, ou BIRG), como um modo de melhorar a imagem pública individual.
No caso de derrota, além de recusarem a identificação com o clube torcedores procuraram causas externas para o desastre. A presença “deles” (cartolas, jogadores mercenários, empresários oportunistas, apostadores capazes de corromper o árbitro) provocou a derrota. Eliminá-los é urgente.
Esse pensamento facilita as coisas. O torcedor tem para onde transferir a vergonha, a perda de autoestima. Mas colocar a culpa “neles” nem sempre é fácil. “Eles” são muitos, provavelmente têm força, certamente vão reagir. Melhor individualizar o réu.
No caso do desastre coxa branca, o bode expiatório está sendo escolhido. Um grupo opta pelo técnico Celso Roth, que não consegue injetar ânimo, nem técnica, nos jogadores.
Adianta mudar de técnico? Marcelo Oliveira foi dispensado depois de levar o Coxa a dois campeonatos e duas finais da Copa Brasil. Em 2011 o Coxa foi campeão invicto – 20 vitórias e dois empates. Marcelo está completando 100 jogos à frente do time do Cruzeiro em grande estilo. Lider do Brasileiro, ganhador da Libertadores, acaba de vencer por 3 a 0 o Santos de Robinho. Podia continuar no Alto da Glória por mais vinte anos, feito Alex Ferguson no Manchester United. Lembrem-se que o êxito do treinador inglês é em grande parte atribuído ao seu mote: “Nenhum jogador é maior do que o clube”.
Outros miram mais alto, no presidente Vilson Ribeiro de Andrade. Recentemente em evidência, chefiou a delegação da CBF que disputou a Copa do Mundo e conquistou para o Brasil aquele inesquecível 7 a 1. Mas Vilson incompetente não é. Também não é um pé-frio. Foi ele que trouxe o Coxa de volta à divisão principal, após o desastre de 2009. Arrumou (melhorou) as finanças do clube, reorganizou a administração, conseguiu uma posição na hierarquia do futebol brasileiro.
A derrota é um vírus altamente contagioso, pega que nem Ebola, por isso é urgente por alguém de quarentena. Proponho a quarentena do Torcedor Irado. Esse cara que tem cadeira cativa no estádio, exerce fulgurante cornetagem mas, no fundo, detesta futebol. Gosta mesmo é de reclamar da escalação, de apontar interesses inconfessáveis na compra de jogadores, e reclamar dos altos salários que o clube paga em troca do futebolzinho que se viu domingo.
O Torcedor Irado adora se banhar na glória refletida, mas não contribui para melhorar o clube, o time, nem o futebol em geral. Estou certo que, durante a quarentena, vai refletir sobre sua relação com o esporte e com o Coxa. E provavelmente entregar as cadeiras cativas ao filho e ao genro. Iniciará um programa de caminhada para diminuir a barriga, tonificar o músculo cardíaco e melhorar suas relações com o mundo. Porque a ira é o caminho mais curto para o Purgatório.
Quanto aos outros, que vociferam desde o apito inicial, não custa lembrar o que disse o Walter Lippmann sobre as unanimidades, principalmente as unanimidades negativas: “Quando todos pensam igual, ninguém está pensando muito.”