O Caiuá, o Enem, a Curitiba perdida. (Ou, Uma viagem ao jardim das flores de plástico)

flor

Janelas com vidros pequenos aumentam o lucro do construtor. Não se iluda com a flor – ela é de plástico.

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A mulher magra no tubo da Cândido de Abreu não reclama de ônibus lotado.

-O problema é outro. É que depois da meia-noite não tem ônibus. Nem vazio, nem lotado – acaba tudo.

Os colegas do restaurante do Centro Cívico em que trabalha até 24h15min cinco dias por semana correm para leva-la ao ponto da Praça Rui Barbosa para pegar o último Tamandaré-Fazendinha. Quase sempre consegue. Mas, ao chegar no Caiuá, tem que enfrenter mais 1,5 km a pé até sua casa.

-Já me assaltaram – informa conformada. –Mas todo o mundo é assaltado de vez em quando.

Felizmente o ônibus hoje, domingo, está bem vazio.

Não é um domingo qualquer. Hoje é dia de Enem. Por toda parte da cidade há gente procurando destinos traçados por um computador do Ministério da Educação para os 64 mil candidados que fazem prova no Paraná.

A escolha do local da prova obedeceu a misteriosos critérios. Em vez de agrupar pessoas pelo local onde moram, como faz o Tribunal Eleitoral, o computador juntou grupos pelo primeiro nome. O colégio municipal Hildegard Sohndal, por exemplo, tornou-se o recanto das marias, marianas, marildas, que vieram de bairros menos periféricos para conhecer o Caiuá, quase na divisa com Araucária.

Com fama de perigoso, o Jardim Caiuá, junto com o Sabará, a Vila Verde e a Vila Nossa Senhora da Luz, foi alvo de uma grande operação policial no ano passado. Na manhã de terça-feira, 17 de julho, instalou-se aqui uma UPS, Unidade Paraná Seguro, para tentar diminuir a criminalidade. O Caiuá é um dos hot points da violência de Curitiba.

Só mesmo de GPS para chegar aqui. As mariasmarianasmariangelas vêm do Batel, Cabral, Ahu e Juvevê acompanhadas por pais e irmãos – todos de olho no mapa impresso no computador ou no GPS do celular. Arregalam os olhos para as janelas estreitas dos conjuntos habitacionais, os pequenos apartamentos de 40 metros quadrados, tão próximos um do outro que o varal de roupas de um toca no do vizinho. Procuram significado nas pichações. Juntam-se em frente ao colégio. Comentam e que tal se tem um senhor gordo e diabético morando no ultimo dos quatro andares sem elevador?

-Não conhecia aqui – diz uma dona de casa do Rio Grande do Sul decepcionada. –Pensava em casinhas pequenas, mas com um pedaço de jardim na parte da frente e um quintalzinho nos fundos. Esses conjuntos empilham as famílias sem sol e sem ar.

Um sonho dos arquitetos do IPPUC. Numa manhã de 1980 fui com o Raphael Deli visitar um dos conjuntos habitacionais humanizados que os arquitetos do IPPUC inventaram para Curitiba. Ali na região da CIC, os futuros moradores, sorteados pela Cohab, eram estimulados a procurar portões, janelas ou pisos de madeira nobre nos depósitos de demolição. A partir dessas peças eram projetadas casas de 60 metros quadrados, com jardim, quintal e até casinha para o cachorro.

-As casas não podem ser fabricadas em linha de montagem porque cada morador é diferente e a diferença tem que ser respeitada. Morar na casa que ajudou a projetar torna a pessoa mais feliz e o bairro mais bonito – explicou Raphael Deli, um dos idealizadores do Plano Diretor implantado a partir de 1970.

Os projetos de casas personalizadas não foram longe. Em 1985, com a vitória de Roberto Requião sobre Lerner, “mudou a política”, seja lá o que isso signifique. O IPPUC passou para outras mãos. E nunca mais, mesmo com a volta do grupo de Lerner, um futuro morador foi convidado pelos arquitetos a desenhar sua casa.

O mistério das linhas com nome errado. Curitiba é uma cidade cada vez mais intrigante. Quem chega de fora não entende as linhas de ônibus. Exemplo: a linha Tamandaré-Fazendinha não termina no Terminal Fazendinha, mas bem depois, no Terminal Caiuá. Então, porque o ônibus não se chama Tamandaré-Caiuá? Perguntem para a Urbs, para o IPPUC, para o Gustavo Fruet, que tem o domínio do fato.

Como vai a violência no Caiuá? Ainda há um homicídio aqui outro ali. Mas diminuiu muito, diz o dono da padaria, que mantém as grades na entrada. Também são conservados os rolos de arame farpado no alto do muro que cerca cada conjunto.

O bairro parece menos assustador nas manhãs de domingo, com pessoas se cumprimentando na volta da feira e flores – vá lá, algumas são de plástico – colorindo as janelas apertadas.

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aza

Queriam uma casa projetada, humanizada, com jardim e quintal – e até casinha do cachorro. Deu nisso.

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