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Bernie Sanders estava certo

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gghghghghg Com a saida de Bernie Sanders da corrida pela presidência, a democracia sofre uma derrota. (Foto do arquivo UG)

 

Por Elizabeth Bruenig (*) , do NYT

 

Bernie Sanders encerrou sua campanha pela indicação a candidato à presidência, o que é uma tragédia, porque ele estava certo sobre virtualmente tudo.

Estava certo desde o início, quando defendeu a completa remodelação do sistema de saúde americano, nos anos 1970. Continua certo agora, quando a pandemia ressalta a falta de recursos médicos para milhões de cidadãos ameaçados de morte. Estava certo quando parecia ser o único alarmista em um ambiente de complacência política.

Está certo agora, quando é o único político que não parece surpreso ao ver a indústria farmacêutica lucrando com uma praga letal, com ajuda do Congresso. Em política, como na vida, estar certo não é necessariamente recompensado. Mas pelo menos há alguma dignidade nisso.

De fato, as duas campanhas presidenciais de Mr. Sanders, começando em 2015 e terminando agora, tratavam de dignidade. Não apenas dignidade humana em geral – o constante foco de Mr. Sanders nas vidas amargas dos americanos pobres, doentes e desamparados é talvez o maior hino à dignidade na história política – mas também a doação diária, pessoal, que oferecemos um ao outro cada vez que falamos a verdade.

Mr. Sanders não é e nunca foi um mentiroso. Sua notável coerência ao longo do tempo, sua notória franqueza e seu desdém pelos bajuladores são manifestações dessa atitude. Ela fez do senador uma realidade incômoda para Washington e transformou-se em movimento.

Membro do Congresso há quase 30 anos, Mr. Sanders tem sido acidamente franco sobre a maneira como o dinheiro estrangula a democracia americana. Individuos ricos interessados em enfraquecer políticas igualitárias doam às campanhas, PACs(**), universidades e think tanks a espera de comprar a lealdade dos legisladores e modelar em seu favor o processo legislativo. Esses oligarcas –  os irmãos Koch, os Mercers e Michael Bloomberg, entre outros –  exercem controle sobre nossa política que de longe excede o voto de cada cidadão.

Mr. Sanders apostou que a única forma de lutar contra o leviatã era com números poderosos. Em 2019, um milhão e 400 mil doadores de todos os 50 estados enviaram à campanha de Sanders cerca de 96 milhões de dólares, sem ajuda de arrecadadores, sem acordos a portas fechadas ou acertos com bilionários.

Mr. Sanders sabe, como todos no Congresso, que é difícil dizer não para quem assina seus cheques de pagamento. Mas ele dizia – e aceitava todas as consequências.

Mr. Sanders foi também honesto sobre desagradáveis fatos da vida americana em um período de inusual nostalgia liberal pelo modo como as coisas costumavam ser. Em 2016, quando Hillary Clinton concorreu sob a premissa, oposta à de Donald Trump, que os EUA já eram grandes, Mr. Sanders contestou: não é assim. Os EUA, argumentou, são um lugar onde os poderosos exploram os fracos com total impunidade. Usam sua força contra trabalhadores,  especialmente imigrantes sem documentos, mulheres, pobres, doentes, desamparados.

Agora, quando Joe Biden prepara uma campanha baseada largamente na fantasia da “volta ao normal” (significando retorno aos Anos Obama), Mr. Sanders permanece crítico à vida sob a antiga administração. Argumenta que o socorro oferecido a Wall Street pelo governo federal durante a crise financeira de 2008 foi um desastre que recompensou malfeitores financeiros e que os efeitos colaterais da recessão continuam a esmagar o americano médio com dívidas, pobreza e salários estagnados.

Nada disso é agradável de ouvir. E Mr. Sanders nunca foi um orador do tipo melífluo. Nos últimos anos comentou-se sua estridência, sua raiva, sua gesticulação, sua franqueza pouco política. Mas esses são também sinais de seu respeito pelos eleitores.

Há muito pouca liberdade no mundo. Mesmo aqui, agora, na nossa celebrada democracia liberal, a mobilidade social é incrivelmente limitada comparada com outros países do mesmo grau de desenvolvimento, e parece que podemos fazer muito pouco sobre isso. Uma liberdade que não pode ser tirada de vocês é sua liberdade de não gostar do status quo – sua liberdade de ser indignado, rebelde, indiferente, sua recusa em ser adulado, amaciado ou consolado por pequenos obséquios distantes do poder real. Mr. Sanders, mal humorado e impaciente com agrados, personalizou essa liberdade, e a ofereceu a você.

(tradução: AFSJ)

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(*)  Elizabeth Bruenig é redatora de opinião do New York Times. Anteriormente, foi redatora de opinião e editora do The Washington Post, escrevendo sobre ética, política, teologia e economia. É casada com Matt Bruenig, advogado, blogueiro, analista de políticas, comentarista e fundador do People’s Policy Project. importante think tank da esquerda.

Vale a pena dar uma olhada em www.peoplespolicyproject.org. O think tank é mantido por 1800 apoiadores com doações qua variam entre 5 e 15 dólares por mês.

(**) Political action committee (PAC) – organização que concentra contribuições de seus membros e financia campanhas a favor ou contra determinados candidatos ou projetos legislativos. Mais contra do que a favor.

 

Posted on 11th abril 2020 in Sem categoria  •  No comments yet

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