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O TELETIPO, LEMBRA?

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gghghg UPI, Reuters ou AP. As notícias importantes.

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A primeira pessoa que chegou na redação do Diario do Paraná na tarde de 20 de fevereiro de 1962 foi o critico Eduardo Virmmond. Antes da uma ele terminou de escrever uma nota sobre a peça que ia estreiar no Guairinha e pediu espaço para a primeira crítica que entregaria no fim da noite. Trocou uma ideia com Silvio Back sobre o filme “Pagador de Promessas”, que Anselmo Duarte estava concluindo e correu ao escritório de advocacia.

O secretário de redação Airton Baptista iniciou a rotina das tardes pelo futebol. Cobrava informação sobre o Coritiba, em Porto Alegre para jogar com o Grêmio. Chegaram ao “aquário” Luiz Renato Ribas e o diagramador Arno Voigt. Pediam mais espaço para o turfe, ia ter grande prêmio. Repórteres da geral corriam para completar informaçôes sobre o ano escolar que começava na outra semana e sobre as vítimas de grave acidente na estrada de Joinvile que chegavam ao Pronto Socorro do Cajuru.

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Mas, por mais que os repórteres suassem pela melhor notícia, o trabalho estava condenado ao quase anonimato das páginas internas ou do segundo caderno. A primeira página dos matutinos dos Diarios Associados destinava-se a grandes temas nacionais ou internacionais que chegavam pelos teletipos.(*) Os editores que chegariam mais tarde para fechar o jornal valorizavam coisa séria, “de peso”, do gosto do senador Assis Chateaubriand. Chatô dizia o que era importante e o que não era. Só ele. Se alguém quisesse dar ordem no lugar dele – avisava aos interessados – devia primeiro assumir a folha de pagamento da empresa.

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Naquele dia 20 de fevereiro a manchete seria “John Glenn poderá ser lançado hoje ao espaço: tempo melhorou”. Algum novato na redação poderia questionar aquele “poderá”. Tirava a força da notícia. Pra que? Mordaz, o Roberto Novais gritaria para o editor Ortiz: “Para tudo ai, Julio, parece que o nosso novo colega tem manchete melhor!”

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Numa sala ao lado da fotografia teletipos não paravam de bater noticias da United Press e da Reuters, além do material da Agência Meridional, dos Diários Associados. Na outra saleta a máquina de telefoto aguardava uma imagem do Senado ou da Presidência da República. Se a imagem do presidente João Goulart viesse borrada, o que acontecia com certa frequência, não havia problema. Era só pedir para o Monteiro escolher outra no arquivo.

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A capa daquela terça-feira apresentava outros títulos respeitáveis: “EUA pede apoio da OTAN para boicote a Cuba” , “Desaparecido avião da Colômbia”, “Retorno de Jânio ao Brasil”, “Mensagem de Jango a Kruschev”, “Principe do Japão vem ao Paraná”, “Arinos justifica abstenção no caso de Angola”, “Bloco comunista manobra para condenar EUA por agressão a Cuba”, “Socialistas não integrarão o governo italiano”, “Caças soviéticos interferem no corredor aéreo de Berlin”, “Reinício das explosões nucleares dos EUA”.

No pé da página uma foto mostrava um carro de boi passando pelo aeroporto recém-inaugurado na capital do Laos. O título da foto da UPI era: “Antigo e moderno”.

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O grave, o indesculpável é que lá dentro, em apenas duas colunas, estava o grande assunto do dia: o deputado Pedro Liberti, do PTB, tinha tentado matar o colega Julio Jacob. Contido por outros deputados e por seguranças, guardou o 38 no coldre, mas anunciou: “Eu havia me regenerado, mas agora vou ter que matar mais um!” Não perdoava Jacob, que invadira a área eleitoral dele em Jaguapitã.

A reação destemperada, além da política, estimulava a investigação sobre a maneira como o sistema eleitoral, de voto proporcional, tinha sofrido mutações patológicas, regredindo ao tempo da República Velha, ao distrito do Império. A indignação de Pedro Liberti revelava que boa parte do Paraná pertencia a coronéis. O voto de cabresto não fora extinto.

A reportagem não foi escrita. Não haveria ordem para publicá-la sem que alguém, como sugeria Chatô, assumisse a folha de pagamento.

Aquela primeira página cheia de notícias internacionais e de siglas condenou o Diario a mais uma derrota na disputa pelo leitor real, aquele da banca de jornal. Ao lado, na capa da Ultima Hora, Pedro Liberti, de olho rútilo e ar feroz, avisava em letras gigantes: “VOU TER QUE MATAR MAIS UM!”.

A UH esgotou cedo.

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(*) Havia exceções. O casamento da filha do professor David Carneiro, por exemplo, foi generosamente noticiado na primeira página. Talvez pelo fato de um dos padrinhos ser o diplomata Gilberto Chateaubriand, filho do doutor Assis.

 

 

 

 

 

Posted on 9th abril 2020 in Sem categoria  •  No comments yet

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