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O maluco que ensinava lógica

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gfghghghh Um professor no Planalto. (Foto Radio Senado)

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Desconfio que a quarentena vai passar dos 40 dias. Tanto tempo sem bar, cinema e livraria, essa abstinência pode mergulhar você na maior quizília com o mundo. A menos que o vazio seja preenchido com algo eletrizante.

Dou um exemplo: os arquivos digitais que nos transportam para a sala de leitura da British Library, ao Smithsonian ou à Biblioteca Nacional (www.memoria.bn.br). Entro na seção dos periódicos da BN e descubro o saudoso Diario do Paraná, presidido por Adherbal G. Stresser, tendo como secretário de redação Airton Baptista e como editorialista o doutor Valmor Coelho.

Numa edição de 14 de março 1961, o comentarista All Right comenta o famoso discurso de posse de Janio Quadros.

Maravilhosa peça de oratória. Mais do que isso: uma evidência incontestável da sanidade de Jânio, que frequentemente é comparado a Bolsonaro só porque às vezes se fingia de maluco. Nada disso. Maluco não leva jeito com o discurso lógico, solta frases a esmo, redunda, volta ao ponto inicial, entra em contradição.

Jânio era o oposto.

Gramática impecável, ajustava o estilo ao momento, falava organizadamente e tinha um agudo senso de oportunidade. Em 1961, achava que era hora de o Brasil deixar de ser periférico. Esqueça o Grande Irmão do Norte. Explore as contradições de um mundo em guerra fria. Lidere o Terceiro Mundo. Somos a grande potência que construiu Brasília em cinco anos, expandiu a indústria, inventou a Universidade de Brasília, a UnB de Darcy Ribeiro. Só falta administrar a economia aquecida pelo governo de Juscelino e dar rumo e sentido ao entusiasmo dos brasileiros.

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Eis o que Jânio disse:

“Díspares são os destinos, as ambições, as paixões dos homens. A democracia é um regime suficientemente dinâmico para permitir que esse embate de interesses e de situações se processe sem dano maior à paz pública. É um coro de harmonias às vezes desencontradas, mas regidas pelo compasso do bem comum. Ele tem sabido ajustar-se e vicejar, fortalecendo-se mais e mais mediante a ação do Estado no campo da iniciativa particular, orientando, empreendendo, complementando atenta às novas exigências democráticas e sócioeconômicas. Vivamos como seres livres construindo o poderoso Brasil.”

Então deu uma pista sobre seu projeto político. Deputado federal pelo PTB, o mais votado do Brasil em 1958, eleito presidente com maioria folgada, ele se sentia em condição de propor uma reforma que nos aproximasse do trabalhismo inglês ou da social democracia alemã. E que gerasse um partido de massa, com forte base sindical, aliado à inteligentzia e capaz de atrair ao menos parte da classe média nacionalista que tinha votado no Lott.

Talvez Jânio estivesse pensando em propostas da Constituição de 1988 quando receitou: “O nosso propósito deve ser o de multiplicar os órgãos da mecânica democrática, fazendo com que surjam, ao lado dos tradicionais, outros mais próximos das massas, que deem a estas representação a que fazem jus, com participação efetiva nas responsabilidades governamentais.”

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Posted on 7th abril 2020 in Sem categoria  •  1 comment

Read the response to O maluco que ensinava lógica

  1. Paulo Vitola

    7 de abril de 2020

    Quando é vista de longe, sem o ruído das paixões, a história fica melhor, mais nítida, e as personagens se tornam mais reais do que durante a encenação da peça. Muito bom de ler.

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