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Esquerda ou direita?

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gghghg A década de 1960 foi de escolhas políticas.

 

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Os anos 1960 foram de definição. Esquerda ou direita? Progressista ou reacionário? Nacionalista ou entreguista? Havia questões mais complicadas, que exigiam uma passada na Biblioteca Pública antes de responder: como decidir entre Trotski e Lenin sem ler ao menos vinte livros sobre a revolução russa? (Os melhores em espanhol ou francês). E outros vinte volumes para achar um lugar no gradiente do pensamento vermelho, que começava no anarquismo mais violento e chegava ao welfare state com chá das cinco na Fortnun & Mason.

Gostava de imaginar que estava do lado certo, sem ser um daqueles radicais chatos e monotemáticos. E aqui entrava a última pergunta: reforma ou revolução? Nem reforma, nem revolução – o importante era o movimento,  O PSB acreditava no socialismo moderado, que aceita conviver com o capitalismo, desde que consiga mitigar os efeitos mais cruéis do sistema. Para isso, discutíamos intervenções econômicas e sociais para o Brasil. O local era a sede do Partido Socialista Brasileiro, PSB, fundado em 1947 por João Mangabeira, Hermes Lima e outros pensadores como dissidência da União Democrática Nacional, UDN.

O diretório municipal de Curitiba, presidido pelo general Agostinho Pereira, ficava na Rua 15, a 200 metros do Clube Curitibano. Almoços de trabalho ocorriam no Bar Paraná, ao lado, que servia uma sopa húngara bastante decente.

Era um partido de trabalhadores intelectuais, como Antônio Houaiss, Rubem Braga, Joel Silveira, Evandro Lins e Silva, Evaristo de Morais Filho e Marcelo Cerqueira. Aqui, o diretório municipal era presidido pelo Colbert Malheiros e integrado por jornalistas como Jairo Regis, José Augusto Ribeiro, Milton Cavalcanti, Nilton Stadler de Souza, Carlos Augusto Albuquerque, Edesio Passos, Ronald Pereira, presidente da União Paranaense dos Estudantes, Luis Fernando Magalhães. E professores universitários como meu clínico Reginis Prochmann, Amilcar Gigante, Dante Romanó Jr e Sebastião Vieira Lins, ex-deputado constituinte ao lado de José Rodrigues Vieira Neto, que continuava a dirigir, na clandestinidade, o Partido Comunista Brasileiro.

Defendíamos o direito de greve, a educação universal e gratuita, a saúde pública para todos, a Petrobrás, a reforma agrária, a nacionalização de empresas estratégicas, a união dos países latino-americanos em um bloco econômico. Fidel Castro e Che Guevara eram referências de luta. E havia aquele papa bondoso, o João 23, que mandava trocar nossos medos pelos sonhos e esperanças.

Muitos eram jornalistas. Havia jornais de todas as tendências, criados para apoiar os partidos criados em 1945. Com a queda de Getúlio Vargas e o fim do Estado novo, surgiram três grandes partidos, a União Democrática Nacional, o Partido Social Democrata e o Partido Trabalhista Brasileiro, todos com seus jornais e rádios. O PSD era apoiado pela Gazeta do Povo, de Acir Guimarães, em sociedade com Moisés Lupion, também dono de O Dia, e do Correio do Paraná, de Londrina, e da rádio Guairacá. O Diario da Tarde, de Roberto Barroso, era da oposição. Havia a PRB-2, que dividia seu afeto entre os vários partidos, nos vários horários. E pequenos jornais e revistas, de sobrevivência incerta porque o caixa não era alimentado com regularidade nem pelo pessoal do governo, nem pelos grupos de oposição.

Com a saída do interventor Manoel Ribas, foi nomeado interventor Brasil Pinheiro Machado, que devia administrar as eleições atendendo a todas as forças políticas. O novo interventor, porém, nomeou um secretariado exclusivamente pessedista escolhido entre as tradicionais famílias do estado. Arranjou uma briga bem grande, que aumentou ainda mais quando começou a fazer política em causa própria, de olho na eleição.

Do outro lado estava Moisés Lupion, com suas indústrias e seus jornais. Com dois pré-candidados o PSD rachou. Lupion cooptou uma ala do PTB para que lançasse sua candidatura e entrou em campanha. A situação ficou insustentável para o interventor Pinheiro Machado, que acabou renunciando e sendo substituído pelo Tenente Coronel Mário Gomes da Silva, em outubro de 1946. O novo interventor, que contava com o apoio do PTB, prometeu eleições idôneas e pacíficas. Em janeiro de 1947, Lupion se elegeu em vitória  fácil contra o o deputado federal Bento Munhoz da Rocha Neto, do Partido Republicano. A candidatura de Lupion era praticamente invencível, porque conseguiu o apoio oficial.

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Aqui a história eleitoral se interrompe por alguns parágrafos porque é preciso falar do interventor Mario Gomes. Era um oficial alto, simpático, de sorriso aberto. Tipo de político adequado àquele tempo engraçado em que não havia mais ditadura, mas o pessoal ainda não tinha reaprendido como funciona a democracia.

Contem que o interventor assumiu e chamou o chefe do cerimonial para combinar o banquete de posse.

-O que temos para servir?

-Peru, excelência. A Granja Canguiri está cheia de perus.

-Que venha, chefe. E a farofa do recheio com bastante toicinho defumado.

Foi um sucesso. Os comensais elogiaram tanto que o interventor encomendou outro banquete para dali a quinze dias, quando se comemorava uma data cívica.

Mais louvores na festa agradabilíssima. E, em rápida sucessão, vieram outros ágapes onde foi servido peru na cerveja, à provençal, ao escabeche, estufado com farofa e sálvia, verdadeiras orgias gastronômicas.

O interventor ganhou um apelido, General Peru. Seis meses depois acabou a interventoria e não havia um único peru no Canguiri.

 

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Lupion lançou para sua sucessão o engenheiro Plínio Franco Ferreira da Costa e para o senado o desembargador José Munhoz de Melo. Não teve êxito. Bento Munhoz da Rocha tornou-se governador em 1950, em dobradinha com Getúlio Vargas. Lupion voltou em 55 para um segundo mandato e provou ser verdade que o segundo governo sempre é pior que o primeiro. Chegou a 1960 com o prestígio em frangalhos; graves acusações de corrupção mobilizaram o eleitor para o outro lado e a vitória ficou com Ney Braga, candidato em dobradinha com Jânio Quadros, o homem que prometia varrer a corrupção do Brasil.

A imprensa melhorou com a chegada de O Estado do Paraná, em 1950. Era do empresário Aristides Mehri em sociedade com Fernando Camargo. Nasceu para apoiar Bento Munhoz da Rocha, político e intelectual, assumiu o governo de um dos estados mais ricos do Brasil. Em 1950, o Brasil era o maior produtor de café do mundo e 50% do café exportado saia das lavoras paranaenses.

Em 1955 surgiu o Diario do Paraná e o diretor, Adherbal Stresser, era outro amigo de Bento, seu antigo diretor do Departamento de Divulgação. Era um jornal bonito, desenhado pelo argentino Benjamin Stainer, cujo caderno literário abrigou Temístocles Linhares, Eduardo Virmmond, Wilson Martins, Walmor Marcelino, Silvio Back.

O compromisso do governador era transformar o Paraná. Era um lugar de tropeiros e imigrantes; seria o laboratório da inovação política e administrativa. Asfaltou estradas asfaltadas, resolveu a crise de energia elétrica (fundou a Copel e construiu a termelétrica de Figueira), aumentou a rede escolar. Construiu o Teatro Guaira, a Biblioteca Pública e o Centro Cívico. Juscelino Kubitschek disse em várias entrevistas que Bento inspirou Brasília. Mas ninguém garante porque JK era um mineiro gentil.

E chegamos a 1962, com eleição em 11 estados e uma novidade: horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão recém-chegada ao Paraná. É o que determinava a Lei nº 4.115, de 22 de agosto de 1962. As emissoras de rádio e de televisão eram obrigadas a reservar um espaço de duas horas para a propaganda eleitoral gratuita nos 60 dias anteriores às 48 horas do pleito. Havia duas emissoras de TV em Curitiba: a TV Paranaense, canal 12, que foi ao ar em 29 de outubro de 1960, por iniciativa do empresário Nagib Chede. O pequeno estúdio ficava no último andar do Edifício Tijucas, no centro de Curitiba, e tinha uma coluna de sustentação bem no meio. A TV Paraná, canal 6, inaugurada logo em seguida, em dezembro, era dos Diários Associados e ocupava o térreo e um andar do edifício Mauá, ao lado do Diario do Paraná.

Havia duas vagas para o senado e para preenche-las houve uma acomodação entre os conservadores e o trabalhismo, que resultou nas candidaturas do banqueiro Adolpho de Oliveira Franco e de Amauri Silva.

O horário eleitoral na TV era uma atração e um desafio. Ninguém entendia de televisão, José Augusto Ribeiro ficou encarregado do programa do PSB porque era um jornalista muito bom e ótimo orador. Na primeira visita ao estúdio da TV Paraná descobrimos que ia ser jogo duro. O dono mandou avisar que as câmeras estariam ligadas no horário mas não haveria operador. A luz resumia-se em um panelão na cara do candidato, que devia se mover até um ponto marcado a giz no chão. Parado ali, estava enquadrado no centro das telas situadas 20 andares abaixo. A loja Stier, no térreo do Edifício Garcez, oferecia suas amplas vitrines para que o povo pudesse assistir aos programas eleitorais. A outra alternativa era a sala de estar da casa de algumas centenas de curitibanos ricos. Imediatamente surgiu o televizinho, personagem que brilhou nos primeiros anos da TV, consolidando amizades e relações comerciais.

Os outros partidos tiveram mais recursos e agrados dos Diários Associados – slides, filmes, música de fundo, cortes de câmera, wipes e outros truques. A câmera parada do PSB era uma contribuição da empresa à luta contra o avanço do perigo comunista no Brasil.

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Sem ter o que fazer, me alistei no trabalho de base, resultado da coligação não oficial entre o PSB e o Partidão. Um domingo fui com Expedito Rocha para Santa Quitéria. Descemos na praça, ele se dirigiu ao bar da esquina e pediu uma cachaça. Durante horas admirei meu mentor conversando com um e com outro, descobrindo os problemas deles no trabalho e explicando como era possível resolver muita coisa se todos agissem juntos. Quando fomos embora, quatro ou cinco pingas depois, ele sabia tudo sobre as fábricas e tinha acertado duas reuniões.

Expedito Rocha – como o Brasil confirmou mais tarde – era um artista.

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Houve queixas pelo mau atendimento. O juiz eleitoral decidiu da melhor maneira possível, porque a lei era muito genérica.

(Observação: Os detalhes – alguns interessantíssimos –  serão incluídos na próxima semana, após eu concluir a pesquisa no Tribunal Regional Eleitoral.)

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Quando terminou a apuração os paranaenses tinham dois novos senadores: Adolpho de Oliveira Franco, da UDN, e Amauri Silva, do PTB. Amauri e seu suplente Rubem de Melo Braga tiveram 390.057 votos. Adolpho (suplente Milton Menezes, ex-prefeito de Londrina) teve 326.057.

Dos 780 mil votos válidos mais de 60 mil foram para Sebastião Vieira Lins, candidato do PSB, que peregrinou por todo o Estado de ônibus. Nas cidades quentes do Norte andava de sandálias como São Francisco.

Para deputado estadual, Amilcar Gigante obteve mais votos do que metade dos 45 deputados eleitos, mas não conseguiu um assento na Assembléia porque o sistema eleitoral era, e ainda é, do voto proporcional. Candidatos menos votados, cujos partidos integravam coligações, beneficiaram-se das sobras eleitorais. Mas ninguém queria se coligar com aquele PSB.

O sistema é injusto? Fizemos essa discussão e eis a conclusão irretrucável: toda representação popular é injusta porque vai contra a ideia de democracia, que é o governo do povo, da democracia direta. Do referendo, do plebiscito, do projeto de lei de iniciativa popular, do recall, das assembleias de bairro.

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Está nos livros de História que o Marechal Deodoro, em 1889, não proclamou a democracia, proclamou a república.

A constituição republicana de 1891 copiou o modelo federativo centralizador e presidencialista dos EUA. Alexander Hamilton e James Madison deixaram claro, nos Papeis Federalistas, que a essência dessa república consistia na exclusão do povo, como ente coletivo, de qualquer decisão do governo. Em vez do povo, as decisões seriam tomadas pelo conjunto de “representantes” populares. “Eles têm a sabedoria, nas palavras de Madison, para discernir o que é melhor para o país”.

Deu no que deu.

Lá, a tentativa de invasão do Capitólio para impedir a posse de Joe Biden.

Aqui, o Bolsonaro e o insano projeto da volta do voto impresso.

 

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Posted on 6th agosto 2021 in Sem categoria  •  No comments yet

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